Transferência arbitrária de fisioterapeutas revolta profissionais do CRI e população

18/10/2013

Transferência arbitrária de fisioterapeutas revolta profissionais do CRI e população

18/10/2013

A manhã desta quinta-feira (17) foi de protesto no Centro de Reabilitação Infantil (CRI). Servidores da unidade, vestidos de preto, pais, acompanhantes e pacientes protestaram contra a decisão da Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap) de transferir, sem prévia comunicação, duas fisioterapeutas que trabalham na unidade – uma no CRI e a outra no Centro de Reabilitação Adulta -, para abrir oito leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de pacientes crônicos no Hospital Pediátrico Maria Alice Fernandes. Todos foram pegos de surpresa com a transferência, inclusive as duas fisioterapeutas, que não concordam com a remoção. Servidores e pais estão programando novos protestos, a fim de sensibilizar o secretário estadual de Saúde, Luiz Roberto Fonseca, a revogar a transferência.

O Centro de Referência Infantil do Rio Grande do Norte é uma Unidade de Referência Estadual para atendimento à crianças e adolescentes portadores de deficiências físicas, mentais, sensoriais ou múltiplas, prestando serviços na área médico-ambulatorial, em estimulação precoce e reabilitação.

A fisioterapeuta Danielle Silva dos Santos conta que quando chegou para trabalhar na manhã de ontem foi comunicada que havia sido transferida, cuja transferência já havia sido publicada no Diário Oficial do Estado, para o Hospital Maria Alice Fernandes. “Fomos transferidos à revelia, até mesmo da direção. Pois a Sesap procurou a direção do CRI querendo saber da possibilidade de ceder dois profissionais, mas a direção disse que não podia, pois todos os profissionais já estavam com uma demanda alta de pacientes. No entanto, mesmo assim, eles passaram por cima da direção e publicaram a nossa transferência”, disse Danielle.

No CRI, a fisioterapeuta Danielle Silva trabalha com atendimento neurológico, mas no Hospital Maria Alice Fernandes ela terá que desenvolver atividade de fisioterapia respiratória. “Eu trabalho numa atividade que é totalmente diferente da parte que eu vou trabalhar lá. Precisa de um treinamento específico para atuar na UTI. Envolve também questão de afinidade, pois desde que me formei minha afinidade é com a área neurológica. Por isso, optei por trabalhar no CRI”, desabafou a fisioterapeuta.

As duas fisioterapeutas têm até a próxima segunda-feira (21) para se apresentar no Hospital Maria Alice Fernandes. Danielle conta que não sabe o que fazer. “Essa medida tirou o meu chão. Eu me sinto triste e frustrada, pois de uma hora para outra ter que mudar a minha vida completamente. Não é fácil. Eu trabalho no que eu gosto, isso é a minha vocação e ser transferida para outro lugar, numa área que não é a que eu tenho afinidade, me deixa muito decepcionada. Isso não resolve nada, pois me transferiram, mas eu não tenho a especificidade que exige a vaga”, destacou Danielle Silva.

Por dia, a fisioterapeuta Danielle Silva atende seis pacientes mais uma avaliação. Com a transferência, serão, pelo menos, 30 crianças que ficaram desassistidas. “Quando a gente sair essas crianças ficarão sem atendimento, pois os demais profissionais já estão atendendo acima da capacidade e não tem como distribuir os nossos pacientes entre eles. Não terão como atender os nossos, nem tampouco admitir novos pacientes”, afirmou.

Raissa Vitória, de nove anos, é uma dessas crianças que pode ficar sem atendimento. Desde os dois anos, Raissa é atendida pela equipe multidisciplinar do Centro. Ela tem paralisia cerebral e está prestes a fazer uma cirurgia, mas depende da garantia do atendimento fisioterápico para que a cirurgia seja feita. Uma vez por semana, Raissa passa pela fisioterapeuta Danielle Silva e a mãe, Ceneide Santos do Nascimento, disse que os resultados são nítidos.

“Ficamos com medo que nossas crianças fiquem sem acompanhamento. Minha filha tem uma cirurgia para fazer e após a cirurgia ela precisa do acompanhamento fisioterápico. Se não tiver esse serviço, ela não irá realizar a cirurgia, pois um depende do outro. Temo que ela piore. Não admitimos que essas excelentes profissionais saiam daqui. Vamos procurar o Ministério Público, a Defensoria Pública, quem precisar para garantir que elas não saiam dessa unidade. O secretário não pode tirar um profissional de um canto para cobrir outro e abandonar as crianças à própria sorte”, afirmou a mãe Ceneide Santos. Danielle disse que se não houver a garantia do acompanhamento da fisioterapia, o ortopedista sequer marca a cirurgia, pois a fisioterapia ajudará na recuperação da paciente.

Desde que Renato Ferreira nasceu, que hoje está com cinco anos e tem paralisia cerebral, é acompanhado pelos profissionais do CRI. A mãe, Maria de Fátima Ferreira, conta que há um mês Renato fez uma cirurgia ortopédica e necessita do acompanhamento da fisioterapeuta. “Se parar esse tratamento, a cirurgia do meu filho terá sido em vão e a evolução dele vai regredir porque ele depende desse tratamento desde que nasceu. Eu, como mãe, fico muito preocupada. Se eles se colocassem no lugar de cada mãe que está aqui e vissem o que passamos, jamais tomariam uma decisão que só vai prejudicar nossos filhos”, destacou Maria de Fátima, que mora no município de Taipu. “Saio de casa de madrugada para buscar atendimento e chego aqui e não vai mais ter profissional por causa da irresponsabilidade desse secretário? Não podemos aceitar isso”, revelou.

A fonoaudióloga Jamille Amélia Gibson, diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Rio Grande do Norte (Sindsaúde/RN), conta que já há um déficit de profissionais, haja vista que a procura é grande, pois o Centro é responsável por atender toda a demanda.

Diante dessa situação é comum a direção ter que fazer uma lista de espera com pacientes aguardando atendimento. “Os profissionais estão atendendo no seu máximo. O que percebemos é que há uma ingerência administrativa do Estado, pois os pacientes que são atendidos pelo CRI são neurológicos e necessitam de eletroencefalograma para fazer o acompanhamento do paciente, mas o aparelho está quebrado há um ano e dez meses. Quem precisa, tem que procurar fora”, disse Jamille.

A fonoaudióloga também disse que o laboratório de genética humana, único do Estado, está há um ano em reforma, sem poder funcionar, além do setor de odontologia que não tem uma manutenção e costumeiramente tem equipamentos quebrados. “Sabemos que a saúde está um caos, de maneira geral. Mas o Governo precisaria olhar de outra forma para esse serviço, pois é referência para quem precisa. No entanto, o Governo prefere dar as costas para o CRI, para o CRA, assim como para a saúde”, afirmou. Jamille disse que o setor jurídico do Sindsaúde estuda uma forma de reverter a transferência das profissionais.

Justificativa

A Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap) explicou que um estudo de redimensionamento realizado pela Coordenadoria de Operações de Hospitais e Unidades de Referências (Cohur) identificou a possibilidade de transferir duas fisioterapeutas do Centro de Reabilitação Infantil (CRI) para o Hospital Pediátrico Maria Alice Fernandes, com a finalidade de abrir os dez leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de pacientes crônicos. De acordo com a Secretaria, os pacientes serão redistribuídos entre os demais profissionais da unidade. O CRI ficou com 12 fisioterapeutas para atender toda a demanda do Estado. Pelo cálculo realizado pela Cohur, não haverá “transtorno, tampouco sobrecarga exagerada” para os demais profissionais.

De acordo com a Secretaria, as duas fisioterapeutas irão compor uma equipe multidisciplinar composta por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e nutricionistas. Para a Sesap, não há problemas no fato de as fisioterapeutas não serem especialistas em fisioterapia respiratória. A Secretaria informou que os serviços do CRI serão mantidos normalmente, com 21 fisioterapeutas em seu quadro, e a demanda de atendimentos realizados pelas profissionais removidas será redistribuída entre os outros fisioterapeutas que continuam atuando na unidade.

CRA

A demanda de adultos à procura de atendimento neurológico no Rio Grande do Norte é grande, uma vez que o Centro de Reabilitação Adulta é referência estadual. Meses atrás era comum encontrar a recepção lotada de pacientes, e muitos deles ficavam numa fila de espera para atendimento no mês seguinte. Hoje, o cenário é outro. A recepção vazia é o sinal de que algo está errado. A falta de neurologista tem comprometido o funcionamento da unidade. Há seis meses, o Centro de Reabilitação Adulto não admite nenhum paciente pela falta do profissional e hoje funciona apenas com 10% da sua capacidade. 

 

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