12/02/2014
12/02/2014
A lei que regula o ponto eletrônico, inclusive como uma proteção contra a exploração dos trabalhadores, já que garantiria compensação ou pagamento das horas extras, por ventura prestadas e assim registradas. No serviço público tem se tornado motivo de discussão por alterar relações trabalhistas baseadas em produtividade, metas e características especiais da prestação de serviço, que necessariamente não guardam relação com a rigidez dos registros de entrada e saída determinados.
No decreto do executivo do governo brasileiro, de 1996, ficam dispensados cargos comissionados, grupos de direção e assessoramentos superiores, professor, magistério e ocupantes de cargos de natureza especial, entre eles advogado da união. Quando o Sindicato médico deu entrada na justiça, solicitando dispensa do ponto eletrônico, invocou para os médicos essa natureza especial de trabalho. Portaria do Ministro da saúde, de 2012, disciplinando a matéria, permitiu a exceção da assinatura eletrônica a carreiras especiais, cargos comissionados e de assessoramento, e carreiras jurídicas dentro do ministério, um caso claro da força desta categoria, que os médicos não tiveram. Ou características especiais do trabalho, que também possuímos, mas o próprio judiciário não considerou para desobrigar a categoria médica de assinar o ponto.
O que caracterizaria essa natureza? A responsabilidade intransferível e continuada sobre o paciente cuidado, que não cessa com o fim do horário ou do procedimento realizado. Vamos imaginar um médico no interior do estado, que só tenha ele na cidade, e que atenda num horário por ponto eletrônico até às 18 Hs. Quando este doente piora e precisa de atendimento não cabe ao médico atender, independente do horário? Na lógica ética que move nossa profissão sim. E mesmo no caso de uma capital com milhares de médicos, se um cirurgião operou um paciente e este precisa de reintervenção, estaria o cirurgião desobrigado, por conta do horário? Na lógica de nossa ética o cirurgião é sempre comunicado e tem responsabilidade continuada de ou refazer o procedimento ou passar com zelo e responsabilidade o caso. Não temos então um trabalho de natureza especial? Nossa responsabilidade não é continuada? Nossa obrigação sobre o paciente por ventura cessa ao fim da jornada?
Há hoje uma tentativa macabra do poder público de despersonalizar a assistência, destruindo a relação médico paciente, e nesse contexto acabar com a figura de responsável pelo tratamento do paciente, substituída por um profissional descompromissado com o seqüenciamento, que caberia meramente ao Estado. Esse parece ser um ponto vital desses novos ideólogos. Pesa sobre a categoria a má fama, estimulada pelos poderes e pela mídia, do servidor público, sistematicamente acusado de não cumpridor das funções e de horários. O que dizer sobre processos que esperam anos por julgamento de juízes ou ações nunca impetradas por promotorias? Seria culpa de juízes e promotores não assinarem ponto? Claro que não, sabe-se da insuficiência de profissionais e serviços auxiliares. Então porque, havendo insuficiência de médicos e de condições de trabalho se reputa ao médico a inassiduidade que seria causada pela falta do ponto eletrônico? Temos como resposta a campanha sistemática e sórdida que tem sido estabelecida há algum tempo contra a categoria. E qual a motivaçào disso? Os médicos são vistos pela sociedade como sacerdotes, trabalhadores em tempo integral, a carência numérica de profissionais fez, historicamente, que as leis dessem aos médicos o direito de mais de um vínculo trabalhista – essa é nossa maldição.
Ninguém trabalha tanto quanto a categoria médica, 18 Hs diárias, mais plantões infindáveis. A possibilidade de contratos múltiplos ou mais de um vínculo, ao mesmo tempo que permite um ganho financeiro maior, paradoxalmente desvaloriza nosso trabalho. Salários baixos levaram a trabalho em múltiplos empregos, muitos deles amarrados não a carga horária, mas a resultados ou produtividade. As últimas iniciativas do poder público e do judiciário dão claras amostras de que o ciclo do trabalho assalariado por produtividade está se encerrando, a cobrança de carga horária será o foco. Resta na equação resolver um problema, que enfrentado e resolvido trará duas consequências, a primeira um nível de qualidade de vida e realização profissional mais completo com salário digno e direitos claros para o médico, inclusive dedicar mais tempo ao seu paciente, depois uma necessidade maior de profissionais e de investimentos de recursos pelo governo para pagar melhor e completar suas escalas nas unidades. Essa realidade nos interessa.
Geraldo Ferreira – Presidente da Fenam e SinmedRN
Artigo publicado na Tribuna do Norte, dia 09/02/2014.