Editorial da semana: O Surrealismo na Saúde

29/04/2013

Editorial da semana: O Surrealismo na Saúde

29/04/2013

O surrealismo é mais ou menos como a terra dos absurdos. Pinturas bizarras, por vezes incompreensíveis. Literatura onde permeia o fantástico. Mundo surreal é alguma coisa mágica, inesperada, nem sempre boa. Vivemos o surrealismo na saúde do Rio Grande do Norte. Imprensado como o caramujo, entre o mar e o rochedo, vive o atormentado paciente do nosso estado. Tremo quando ouço sobre reuniões sob a batuta do governo estadual. Pois bem, esta semana tive notícias de mais um encontro entre a secretaria estadual e secretários municipais. Entre as decisões, a de que tantos hospitais nos interiores que não funcionam adequadamente devem ser fechados e as equipes transferidas. Doutor, mas a decisão correta não seria equipar o hospital e completar as equipes? Mas não esqueçamos, nosso mundo é surreal. Outra medida, devolver para os municípios de origem, sem atendimento, os pacientes que por ventura tenham sido transferidos para a capital, e supostamente tenham condições de serem atendidos em seu município. Durma-se com esta, o paciente é punido em vez do gestor local. Isso não seria crime? Numa audiência na Câmara dos Deputados, em Brasília, da qual participei na terça feira, dia 23, a discussão era exatamente o contrário, que o paciente era brasileiro e não deveriam importar barreiras geográficas para seu atendimento. A audiência versava sobre o financiamento da saúde e as conclusões foram de que essa velha discussão de que o problema é gestão, organização etc, e não falta de recursos, não se sustenta. Falta dinheiro na saúde brasileira. Isso vem ao encontro da realidade que vejo nos hospitais e unidades dos vários estados que tenho visitado, os bons serviços são necessariamente os que recebem mais investimentos. Quando um gestor fica procurando desesperadamente culpar médicos, trocar sistematicamente de administradores, convocar consultorias e reuniões infindáveis procurando diagnósticos improváveis, fecha-se para a realidade mais que visível, é preciso priorizar a saúde com maior financiamento. Mas estamos no mundo fantástico do Rio Grande do Norte. Vejamos o outro barulho. A constituição prevê saúde pública, com complementação filantrópica e privada. A Secretaria de Saúde foi para a mídia essa semana para chicotear as Apamis, entidades filantrópicas que por muito tempo foram a única forma de atendimento a gestantes e crianças nos municípios. Mais uma vez o erro repetido de se achar que uma instituição não funciona a contento e em vez de exigir adequações ou providenciar substituto para a prestação do serviço, fala-se em fechar serviços. Essa semana o Novo Jornal deu capa para o assunto ambulancioterapia, blá, blá, blá. O mantra repetido à exaustão para justificar o injustificável – faltam investimentos, falta priorizar a saúde, falta ampliar a rede de atendimento, e não desativar serviços, falta concurso público, falta reconhecer que os médicos são no dia a dia caótico da saúde pública, os heróis que sem condições de trabalho e sem remuneração justa garantem aos desamparados que não morrerão à míngua. E são no caos, os únicos a terem a visão clara da realidade. Dizia Nelson Rodrigues, em frase monumental: “Só os profetas enxergam o óbvio”.

Dr. Geraldo Ferreira Filho – Pres. Sinmed RN
Texto publicado na Coluna Sinmed em Ação do dia 28 de abril de 2013, no Novo Jornal.

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