03/05/2012
03/05/2012
Em meio à crise de atendimento e de gestão na Saúde Pública, o médico Domício Arruda entregou no início da noite de ontem o cargo de titular da pasta. O pedido de exoneração foi aceito prontamente pela governadora Rosalba Ciarlini e será oficializado na edição de hoje do Diário Oficial do Estado. A secretária-adjunta Dorinha Burlamaqui foi designada para responder pela Sesap, até a nomeação do novo titular.
Domício Arruda permaneceu no cargo por pouco mais de um ano e cinco meses(assumiu dia 31 de dezembro de 2010). Nesse período, enfrentou críticas por não resolver o caos nas unidades hospitalares do Rio Grande do Norte e por firmar, sem licitação, contratos terceirizados, o principal deles para o Hospital Parteira Maria Correia – o Hospital da Mulher, de Mossoró. O contrato de R$ 15,8 milhões foi firmado em 29 de fevereiro com a Associação Marca.
Do valor contratual a Sesap pagou entre 22 de março e 14 de abril, 50,82%, ou seja, R$ 8,033 milhões. Em contrapartida, os principais hospitais de urgência do RN enfrentam uma crise aguda de desabastecimento, coleta irregular de lixo, inadimplência com fornecedores, falta de leitos para internação e terapia intensiva
superlotação. Domício deixa o cargo, após uma inspeção da promotora Iara Pinheiro ao Hospital Walfredo Gurgel, na segunda-feira, 30.
Antes dessa ação, o MP havia solicitado ao Tribunal de Contas do Estado a abertura de uma auditoria financeira e contábil nas contas e folha de pessoal das 21 unidades hospitalares da Sesap, o que foi aprovado pelo pleno do TCE, em janeiro. Alvo de constantes questionamentos, Domício Arruda teve uma relação conflituosa com a imprensa. Um exemplo foi a negativa de entrevista no feriado de 1º de maio, durante a crise de limpeza e superlotação do Hospital Walfredo Gurgel.
Nas últimas semanas, o ex-secretário também foi convocado pelo Conselho Estadual de Saúde (CES-RN) para esclarecer o contrato com a A.Marca e apresentar o
plano de gestão para o Hospital da Mulher de Mossoró. A plenária está agendada para o dia 9 de maio.
Nas unidades hospitalares da rede estadual o caos se agravou nas últimas semanas. Nos cinco maiores hospitais – Walfredo Gurgel, Maria Alice, José Pedro Bezerra (Santa Catarina), Deoclécio Marques, em Parnamirim, e o Tarcísio Maia, em Mossoró, a situação é dramática.
Depois de um feriado de 1º de maio tumultuado, com corredores superlotados e lixo amontoado a poucos metros do setor de nutrição, o Hospital Monsenhor Wafredo Gurgel ainda vive graves problemas operacionais. Na manhã de ontem, por volta do meio-dia, o lixo comum acumulado em um dos acessos da unidade, ainda não
tinha sido recolhido, por causa do débito com a empresa.
Pouco depois em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Domício Arruda, ainda no cargo, garantiu que o lixo acumulado na segunda-feira e mostrado em reportagem
da TRIBUNA DO NORTE, na edição da terça-feria, 01, havia sido "todo recolhido, às 18h da segunda" e que na tarde de ontem a empresa faria a coleta do restante dos resíduos. Ele informou que a dívida com a empresa tinha sido quitada. Ele não soube precisar o valor.
Domício também informou que a Sesap repassou, ontem, para o HWG R$ 2 milhões de restos a pagar para quitar todos os contratos do ano de 2011 e mais R$
690 mil equivalente à primeira das dez parcelas de custeio. No final da tarde, a reportagem voltou ao HWG. A limpeza realmente tinha sido feita. Funcionários que não quiseram se identificar disseram que na segunda-feira a coleta foi mínima.
"Eles recolheram muito pouco, por isso que o montante de hoje era o dobro do que tinha na segunda, porque juntou com o lixo do feriado e de hoje de manhã", disse o
funcionário. Afora o lixo, o desabastecimento e a falta de leitos (de internação e terapia intensiva) denunciam o improviso a que médicos, enfermeiros e pacientes estão submetidos.
As enfermeiras Manuela Barbosa e Gracinalda Ciríaco resumiram o quadro: "trabalhamos num casos, sem insumos, sem a quantidade adequada de funcionários, que é dimensionada para 280 leitos, que são os registrados no SUS, mas não temos como trabalhar sem atender os pacientes nos corredores". Ontem, segundo a Assessoria de Imprensa da unidade, 63 pacientes estavam "internados" nos corredores do HWG, dos quais 17 da ortopedia. As condições eram desumanas.
"É uma situação que impede o exercício adequado da medicina e uma boa assistência ao paciente", resumiu o médico plantonista, Francisco Braga. Ao percorrer os corredores ontem, a reportagem da TN se deparou com indignação e revolta. "Aqui", relatou Iranaci Carmem de Souza, 40, "a gente é jogado feito bicho. É só pegando
e entulhando num canto. Mas tudo tem seu limite". Ela acompanha dona Lenira de Freitas, 66 anos, vítima de infarto e que está internada num leito improvisado para funcionar como UTI.
O presidente do Sindicato dos Médicos do RN, Geraldo Ferreira, disse que o agora ex-secretário de Saúde, Domício Arruda, não é o culpado, mas uma vítima da crise que se abateu sobre o setor da saúde no Estado. “A crise pegou o secretário como um tsunami. A culpa, se é que se pode falar em culpa, pela crise é da gestão financeira. Domício Arruda estava administrando o caos”, declara Geraldo Ferreira.
Desde a última sexta-feira, Domício Arruda demonstrava sinais de desânimo à frente da Secretaria de Saúde. “Vi Domício muito amargurado numa reunião na última sexta-feira. A secretaria sem dinheiro, cooperativas paradas, servidores em greve, lixo no Walfredo. Todos esses problemas causaram uma frustração no secretário, que foi uma vítima da gestão financeira. Os escorregos que ele teve foram verbais”, disse Geraldo, acrescentando que Domício Arruda sempre foi um bom interlocutor com a categoria médica. “Perdemos o secretário no auge da crise”, lamentou.
Já o membro do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Júnior, fez críticas à gestão de Domício, embora tenha lamentado a forma como se deu a demissão. “Secretário demitido por um órgão de comunicação é a primeira vez que eu vejo”, disse, em referência à notícia publicada no Jornal Nacional ontem à noite. Francisco Júnior afirmou não ter identificado na gestão Domício Arruda nenhum movimento para a resolução dos problemas do setor. “Está muito claro que a saúde está no fundo do poço”, avaliou.
O principal sintoma desse estado, segundo Júnior, é a situação do Hospital Walfredo Gurgel. “O secretário de saúde não conseguiu viabilizar um nome para dirigir o maior hospital do Estado”, apontou, ressaltando também a situação dos hospitais regionais. “O problema dos hospitais regionais é antigo, histórico, não começou nesse governo, mas também não houve avanços”, complementou.
Acerca do subfinanciamento, Francisco Júnior concorda que falta dinheiro no setor, mas critica a gestão das verbas da saúde. “Enquanto falta dinheiro para coletar o lixo do Walfredo Gurgel, o Governo do Estado adiantou R$ 8 milhões para o hospital privado da mulher em Mossoró. Escolhe-se sempre o caminho mais caro”, disse.