Nesta unidade será possível realizar uma série de exames como ultrassonografia, tomografia e sorológico. A anomalia é uma má formação congênita em que o cérebro do feto não se desenvolve de maneira adequada, nascendo com perímetro cefálico (PC) menor que 33 cm. A alteração gera deficiências cognitiva e motora, além de reduzir a expectativa de vida do indivíduo.
A criação de um protocolo é importante porque a partir dele será possível coordenar em todos os municípios a linha de cuidados, tanto com relação às crianças que apresentem o problema ao nascer, quanto aos casos diagnosticados já no pré-natal. Até o ontem, os diagnósticos atingiam cerca de 15 municípios do Estado, a maioria em Natal (11), além de Ceará Mirim, Mossoró e Parnamirim.
O problema pode ser causado por diversos fatores, mas de acordo com o secretário estadual de Saúde Pública, Ricardo Lagreca, o elevado aumento de casos tem origem ainda desconhecida. A principal suspeita é de que estejam relacionados à contamiação pelo zica vírus durante a gestação.
A doença tem sintomas semelhantes à dengue e à chikungunya, transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti. Só neste ano, foram registrados 6.750 casos suspeitos da zica em todo o estado. Não há registros de quantos tenham afetados gestantes.
“Ainda não se sabe a causa, mas não tem nada de contágio”, disse o secretário em coletiva de imprensa na tarde de ontem, não descartando a possibilidade de o defeito congênito estar associado ao uso de medicamentos usados para o tratamento dos sintomas causados pela doença. Isso porque a microcefalia tem causa de diferentes origens, incluindo agentes biológicos (infecciosos), como bactérias, vírus e radiação, mas também substâncias químicas, como medicamentos ou agrotóxicos.
Assim, novos casos poderão surgir e mulheres grávidas que tenham apresentados sintomas da virose precisam ter um pré-natal diferenciado. “Serão realizados avaliações constantes para saber o desenvolvimento do crânio do feto”, informou Lagreca.
Ao constatar o perímetro da cabeça menor, o recém-nascido deverá ser encaminhado a um hospital onde será submetido a exames que podem detectar a relação com alguma patologia virótica ou outra doença.
“O aumento de casos é significativo e preocupante”, avalia Ricardo Lagreca. “Fizemos reunião [com Ministério da Saúde, município de Natal, Laboratório Central, Central de Regulação e hospitais de referência do estado] para falar sobre como enfrentaremos essa situação”, ressalta o secretário, lembrando que a zica tem quadro inicial leve e é uma doença nova. O desenvolvimento das sequelas ainda é desconhecido.
Deverá ser investigada a possibilidade de prevenção da deformação do feto diante do quadro virótico da mãe. No RN, estudos para investigar os casos serão realizados no setor de epidemiologia da Sesap, com o Hospital Giselda Trigueiro, além do Instituto do Cérebro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Em 26 de outubro a Sesap lançou nota técnica recomendando que todos os serviços de saúde notificassem os casos de microcefalia. Na quarta-feira (11), o Ministério da Saúde declarou estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional devido ao número de casos em Pernambuco, que registrou 141 ocorrências, Sergipe (com 49 confirmações), Paraíba (nove), além do Rio Grande do Norte.
Suspeita de uso impróprio de medicação
O aumento no número de ocorrências de microcefalia pode estar relacionado ao uso impróprio de algum medicamento durante o tratamento de Zika pelas gestantes. Pelo menos é uma das hipóteses sugeridas pelo médico infectologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Kleber Luz.
A princípio, apenas a ingestão de medicamentos usados no tratamento de epilepsia, hepatite ou câncer, durante os três primeiros meses de gravidez, pode levar o feto ao desenvolvimento da doença. Porém, a combinação de alguma droga com a doença viral pode ter causado complicações nas gestações.
“Ainda não podemos atestar que tem a ver com a ingestão de remédios usados no trato da Zika, mas pode ser uma causa”, especula Kleber Luz.
O tratamento da Zika, assim como das demais doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, é feito através do uso de antitérmicos, como Paracetamol. Por isso, as chances são mínimas, em um primeiro momento, de que um remédio tenha sido o causador do quadro alarmante.
Cerca de 80% das mães relataram ter apresentado, nos primeiros meses de gestação, manchas, febres e coceiras – sintomas associados à doença Zika. “Estamos avaliando todas as hipóteses. Vamos repetir exames e continuar buscando respostas”, disse.
Até o momento, não há relatos na literatura médica que relacione antitérmicos ao desenvolvimento da microcefalia. Para a médica Elza Seabra, professora e pesquisadora do Departamento de Pediatria da UFRN, campus Santa Cruz, neste primeiro momento é preciso ter cautela com relação a qualquer avaliação prévia do que tem provocado a microcefalia. “Não sabemos o que tem causado esse surto”, conta.
Somente na cidade do Trairi, onde ela atua, dois casos da doença neurológica foram registrados no último mês. Ambos estão sendo acompanhados pelos profissionais da universidade. As crianças estão sob observação e a evolução da doença sendo medida. “Estamos tendo o cuidado necessário para seguir o protocolo de tratamento padrão que o Ministério da Saúde recomendou para o momento”.
De acordo com Elza, não há muito que possa ser feito para impedir o avanço da doença. “Fazemos a medição do diâmetro da cabeça das crianças e um grupo de fisioterapeutas faz procedimentos que minimizem os seus danos cognitivos e mentais”, relata.
Na opinião de Kleber Luz e Elza Seabra, somente a prevenção é capaz de impedir o surgimento da doença. Com o Zika Vírus em circulação no estado, o apelo para que sejam eliminados possíveis criadouros do Aedes aegypti continua sendo essencial para o combate ao vírus.
Também é importante, conforme explicam os médicos, o acompanhamento com um pediatra durante a gestação. Isso possibilita que a doença seja diagnosticada ainda em seu princípio e que a gravidez seja conduzida da melhor maneira possível. “O Pré-Natal ainda é um forte auxiliar no diagnóstico e tratamento de doenças causadas na gestação”, explicam.
A má-formação, que pode levar a criança ao retardo mental, convulsões, problemas de audição, visão e motor, é considerada um evento raro na pediatria. No Rio Grande do Norte, foram registrados dois casos em 2012 e dois em 2013. Em 2014, não houve nascimento de crianças com problema.