“As cooperativas são um sorvedouro de dinheiro público”

“As cooperativas são um sorvedouro de dinheiro público”

 Publicação: 2015-10-27 00:00:00 | Comentários: 0

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Entrevista – Francisco Batista Júnior

Coordenador da Conferência estadual de Saúde e membro do conselho estadual de saúde



Com a estimativa de reunir 1.400 pessoas, a  Conferência Estadual de Saúde começa hoje a discutir o tema em oito eixos. Do financiamento à gestão, passando pela rede pública, tudo deve ser discutido até quinta-feira. Em entrevista, o coordenador do evento, o farmacêutico Francisco Batista Júnior  adiantou às discussões. Ele classificou as terceirizações como “maiores fontes de corrupção” da saúde pública e condena as cooperativas médicas, “sorvedouros de recursos públicos”. Em vez de entregar os SUS para a iniciativa privada, ele defende a flexibilização da legislação e a profissionalização da gestão, por meio de critérios estabelecidos em lei para assumir cargos de confiança.  Eis a entrevista:

Adriano AbreuFrancisco Batista Júnior - coordenador da Conferência estadual de Saúde e membro do conselho estadual de saúdeFrancisco Batista Júnior – coordenador da Conferência estadual de Saúde e membro do conselho estadual de saúde



Temos exemplos práticos de efetivo controle social do Conselho Estadual de Saúde, como o episódio de envolveu o contrato de terceirização do Hospital da Mulher. Como tem sido a estratégia de fiscalização de problemas semelhantes?

Em tese, todos os recursos da Secretaria de Saúde do Estado tem que passar pelo conselho. Desde sua proposta orçamentária, a sua aplicação e prestação de contas. Muitas vezes, essa fiscalização se dar por denúncias, ou por alguma coisa que o conselho entende que por algum motivo deva ter um tratamento mais pormenorizado, como foi o caso do Hospital da Mulher em Mossoró. Quando soubemos que iria ser entregue a uma empresa para ser administrado, chamamos a secretaria para conversar. Assim que o hospital começou a funcionar terceirizado, a gente começou a provocar o ministério público. Ficamos acompanhando.  Com pouco tempo começaram a chegar denúncias que os recursos estavam sendo mal aplicados, os servidores estavam sendo demitidos. Ilegalidades de toda a ordem. Foi quando a gente começou a ter mais elementos em  mãos e começou a provocar mais o Ministério Público. A gente tem três alternativas, na verdade: um é o diálogo político, que nem sempre dá conta; quando não dá conta, a gente parte para o ministério público; em alguns lugares antes de provocar o ministério público a gente entra com uma ação direta na justiça.  



Antes da implantação das Organizações Sociais (OS) gerindo a Saúde Pública no RN, o argumento era que o modelo puramente público de gestão da saúde era ineficiente e por isso as OS seriam a alternativa. Mas aí as OS protagonizaram esquemas de corrupção em todas as ocasiões em que administraram unidades públicas no RN. Se a gestão puramente pública não funciona bem, nem a terceirização, qual seria a saída?

As parcerias privadas nada mais são do que forma elaboradas dos setores dominantes de se apoderar do SUS e inviabilizá-lo. Na história do mundo, não há um país que tenha conseguido viabilizar uma proposta como essa na lógica de mercado. Não tem como se viabilizar saúde universal, pensando em quanto vai receber por isso. Tem que ser rateada pela população democraticamente. É muito fácil dizer que o Hospital da Mulher de Mossoró funcionava muito bem administrado por uma empresa privada, quando essa empresa tinha o dinheiro que queria com absoluta autonomia de contratar e demitir na hora que quiser. Uma autonomia que nenhum dos hospitais públicos tem. 



O problema da ineficiência seria só a falta de autonomia do setor público?

A primeira coisa para que o público não dê resposta é o serviço público ser utilizado de forma fisiologista. Na gestão da rede SUS, você não tem técnicos formados especificamente para aquilo. Você tem pessoas indicadas por critérios políticos para atender interesses, quase sem exceção. E aquele que não obedece a esse critério não consegue fazer a coisa funcionar. A saúde talvez seja a mais poderosa força de atendimento fisiologista na politica desse país. A gente tem a proposta de contratualização direta do hospital  com a gestão, que permita ao serviço ter um mínimo de  autonomia administrativa e política. O gestor vai ser indicado  a partir de critérios que a legislação estabelecer, com o tempo de serviço, tempo de formado, tempo de experiência em gestão. A gente tem na rede SUS pessoas prontas para isso.



O Governo Federal criou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) para a gestão  dos hospitais universitários. Essa seria uma alternativa?

Onde ela foi implantada, é um escândalo generalizado de fisiologismo, de administração clientelista. Em Sergipe, o Judiciário tomou a decisão de voltar para a gestão pública.  O atual diretor da Ebserh de Brasília foi um candidato derrotado à deputado federal do interior de São Paulo. Como prêmio de consolação, ele ganhou a presidência da Ebserh com seus R$ 40 mil por mês. Isso está afundando o Estado brasileiro. A Ebserh também situações diferenciadas de remuneração do serviço público. Foi totalmente o oposto que nós idealizamos para o SUS. Ela poe em risco a autonomia universitária, poe em risco a formação da universidade porque quem vai contratar os professores para atuar ali vai ser a Ebserh. É um intruso dentro da universidade.



O financiamento deficitário do SUS é uma questão exclusivamente de vontade política?

Realmente o sistema de saúde do Brasil é subfinanciado. Isso a gente diz quando compara com qualquer outro país do mesmo porte. Se comparar com a Argentina e Uruguai vemos que eles não têm um sistema universal  e proporcionalmente investem mais do que a gente em relação ao PIB [Produto Interno Bruto]. Assim como também tem problemas de gestão como o clientelismo, cabide de emprego, fisiologismo. Mas isso são sintomas da doença, porque a gente conhece Estados que investem bastante na saúde pública e tem os mesmíssimos problemas, como o Amazonas. A doença dele é o modelo. Quando a gente pensou o sistema, na década de 1980, era para ser prioritariamente público. Desgraçadamente no Brasil, a gente enveredou pela privatização generalizada. Temos filas no SUS naquilo que depende do setor privado. Tem uma tabela no SUS, mas o setor privado não dá nem bola para essa tabela. É muito caro. Esse modelo não se sustenta. Eu não vou ser irresponsável de defender mais dinheiro para a saúde sem discutir para onde ele vai. Se for para entregar para a rede privada; para as cooperativas médicas, um sorvedouro de dinheiro público; para não investir na rede básica, melhor deixar como está.  Mais de 50% dos leitos do SUS são privados. Para esses caras, é importante ter gente doente. 



Um projeto criticado pela categoria médica é o Mais Médico. Ele trouxe algum alento?

Tem pontos positivos e negativos. Realmente foi a possibilidade concreta de colocar médicos em lugares que eles não querem ir. Eu não aceito esse papo, ‘não vou porque não tem condição’. Não vai porque não quer ir mesmo, tendo a possibilidade de ter dois, três ou quatro vínculos nos grandes centros urbanos. Acho correto o governo pensar em uma alternativa. Os médicos do Mais Médicos fazem o que a gente defende, que é a prevenção à saúde. Não é essa coisa de fazer cirurgias. É mais atenção básica mesmo. Os resultados estão aparecendo. Agora, o negativo é que o médico sozinho não vai resolver tudo. Sem o restante da equipe, o alcance da atenção básica é limitado. 

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