Repórter
Mesmo sob a ameaça de responderem a processo administrativo e da decretação de ilegalidade da greve, os agentes de endemias e comunitários de Natal mantiveram a paralisação. A decisão foi tomada em assembleia da categoria na tarde de ontem (7). De acordo com o presidente do Sindicato dos Agentes de Saúde do Estado (Sindas), Cosmo Mariz, o fim do movimento só acontecerá com a aprovação do projeto de lei que reajusta o auxílio-alimentação da categoria. Até a noite de ontem, o projeto ainda estava no gabinete da Secretaria Municipal de Saúde. Enfrentando a escalada dos casos de Zyka e microcefalia, a SMS afirma que, sem os agentes, não tem como evitar a proliferação do mosquito Aedes aegypti: três bairros já enfrentam surto epidêmico.
A paralisação, iniciada no dia 9 de novembro, pleiteava a melhoria na infraestrutura de trabalho e revisão dos vencimentos. Além do reajuste de R$ 5 no auxílio, com pagamento retroativo ao mês de julho, a Secretaria Municipal de Saúde finalizou a compra do fardamento e protetores solares para os agentes, e ofertou o abono das faltas durante os quase 30 dias de paralisação. O pleito de recomposição salarial de 14% não foi concedido.
“A categoria aceitou a proposta, mas pelo descumprimento de propostas de outras greves, só vai voltar ao trabalho quando a Câmara Municipal votar o projeto de lei que reajusta o auxílio-alimentação e o secretário entregar o fardamento e o protetor solar”, assegurou. Os agentes fazeM protesto na CMNAT hoje a tarde, às 14h30.
Em entrevista coletiva na manhã desta segunda-feira, o secretário municipal de Saúde, Luiz Roberto Fonseca, afirmou que “não toleraria” a continuidade das paralisações. “A greve é inoportuna e incoerente. Não entra na cabeça de ninguém que uma greve permaneça quando boa parte do pleito já foi atendido, e o que não foi for por uma questão fática. O reajuste não foi dado para os agentes, mas não foi dado para ninguém. Sinceramente, espero que prevaleça o bom senso”, frisou o titular da pasta.
No momento em que o país enfrenta o surto de microcefalia – malformação que atinge recém-nascidos cuja mãe foi infectada pelo Zyka Vírus, transmitido pelo Aedes aegypti –, a paralisação dos agentes de endemias é ainda mais preocupante. A secretaria confirmou que ontem pela manhã, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, entrou em contato questionando se seria necessária uma intervenção do ministério no diálogo entre a secretaria e grevistas. Uma fonte informou à reportagem que foi dado prazo de três dias para que a questão fosse solucionada. De acordo com o Sindas, uma das intervenções seria a suspensão do repasse de recursos federais para combate a dengue em Natal.
De acordo com a SMS, os bairros de Nossa Senhora da Apresentação, Potengi e Felipe Camarão apresentam surtos epidêmicos de dengue, cujo controle ficou dificultado mesmo com a adoção das ovitrampas (armadilhas para o mosquito) e o monitoramento semanal das regiões. Atualmente, de acordo com a SMS, dos 587 agentes de endemias, apenas 193 devem atuar diretamente em campo, combatendo o mosquito. Entretanto, apenas 99 estão trabalhando.
O procurador geral do Município, Carlos Castim, confirmou que o Município pretendia ingressar, ainda ontem, com um pedido de ilegalidade da greve. “O problema é a declaração de emergência do município e a situação que estamos enfrentando. É preciso ter consciência. Vamos pedir a ilegalidade e a responsabilização por qualquer tipo de problema que enfrentarmos [de saúde pública]”, assegurou Castim. Até o final do dia, não havia registro do sistema eletrônico do Tribunal de Justiça sobre a petição.
Nesta quarta-feira (9), também encerra-se o prazo de cinco dias recomendado pelo Ministério Público para que pelo menos 75% dos agentes de endemia retornem ao trabalho. Entretanto, os grevistas afirmam não temer nenhum tipo de questionamento jurídico. A SMS afirmou que vai abrir processo administrativo contra os agentes nomeados neste ano que aderiram à greve.
Agentes colheram armadilhas com mais de 2 mil ovos
Em dez dos 16 anos desde que o Aedes aegypti foi identificado em Natal, houve surto epidêmico de dengue. O número de casos, crescente a cada ano, aliado ao surgimento de novas doenças – foram 2.420 casos suspeitos de zyka até dezembro, e mais dois de chikungunya que estão em análise – levaram à Secretaria Municipal de Saúde a adotar um novo sistema de controle do vetor: o VigiDengue.
A nova metodologia foi adotada há cerca de um mês, em substituição ao Levantamento Rápido de Índice de Infestação para Aedes aegypti (LIRAa). Com a nova metodologia, o monitoramento é feito semanalmente e por logradouro. São instaladas ovitrampas – espécie de armadilha que atrai o depósito de ovos do mosquito –, o que facilita a identificação de focos.
Além de capturar os ovos, a armadilha também limpa o ambiente de outras infestações, uma vez que mosquito prefere o ambiente criado, escuro e úmido. As ovitrampas são constituídas por um recipiente plástico preto, um material poroso para depósito dos ovos e larvicida e até agora, 410 foram espalhadas pela capital – uma a cada 300 metros. Já foram colhidas armadilhas com mais de 2 mil ovos.
Identificando a concentração de depósito de ovos por região, é possível direcionar ações de combate específicos, segundo o coordenador do Centro de Zoonoses de Natal, Alessandre Medeiros. O sistema cria quatro níveis de alerta, que vão orientar a secretaria para as ações e o número de agentes necessários para cada região. “ Se conseguirmos bloquear antes que se expanda, acreditamos que podemos ao menos um pouco, o impacto da epidemia”, pontu o coordenador.
Entretanto, o secretário municipal de Saúde, Luiz Roberto Fonseca, acredita que é “impossível” fazer o combate sem o fim da greve dos agentes de endemias. Ele afirmou que, com o retorno dos 292 agentes ao campo, o município não precisaria sequer recorrer ao apoio das forças armadas, ofertado pelo Ministério da Defesa.