Artigo: Embustes intelectuais mistificando a realidade

14/09/2023

Artigo: Embustes intelectuais mistificando a realidade

14/09/2023

Artigo: Embustes intelectuais mistificando a realidade

Quando a realidade se choca com as convicções mais profundas, alguns procuram reconfigurar a realidade em vez de corrigir a visão que têm do mundo. O termo Dissonância cognitiva foi cunhado por Leon Festinger no seu livro Quando a Profecia Falha. Um fenômeno a mais se acresce, a rigidez da crença pode se tornar ainda maior que antes. Em questões práticas, as pessoas são bastante flexíveis, mas quando estão em jogo as ideias políticas, religiosas ou ideológicas a intransigência assume o controle. As posições assumidas em questões sobre raça, gênero, educação, direitos, meio-ambiente, renda, criminalidade, armas, aborto são difíceis de serem abandonadas, porque ao fazê-lo, admitindo que estas concepções podem ter falhas, isso pode destruir o senso de identidade e o reconhecimento que se goza em grupos sociais vinculados a esses conceitos. Pessoas de escolaridade mais alta são ainda mais irredutíveis que as demais. “Pessoas inteligentes tem grande experiência em encontrar argumentos, especialistas e estudos que confirmem suas crenças preexistentes”, escreve Rutger Bregman em Utopia Para Realistas. O jornalista Ezra Klein conclue que as pessoas inteligentes “não usam o seu intelecto para obter a resposta correta; usam-no para obter o que elas querem que seja a resposta”. Por trás de uma convicção está uma visão de mundo e as ideias podem mudar o mundo, mesmo que elas sejam castelos no ar. O modelo iluminista de como as pessoas mudam de opinião, coletando informações e deliberando racionalmente, parece não se sustentar na prática, pesquisas sugerem que são choques repentinos que podem ajudar a aceitar novas ideias. Na política “o voto das pessoas é menos influenciado por suas percepções sobre a própria vida do que por suas concepções de sociedade. Isso é feito porque prevalece o sentimento de que se vota pelo grupo ao qual se quer pertencer, e não individualmente por cada um. A razão da brutal censura que se estabelece a quem não reza na cartilha do politicamente correto ou das teorias críticas de gênero e raça, se faz em razão de uma interessante descoberta feita por Salomon Asch: uma única voz de oposição pode fazer enorme diferença. Se ao menos uma pessoa se ativer à verdade, contrariando o espírito de manada, as pessoas se tornam mais propensas a acreditar nas evidências aportadas aos próprios sentidos. Richard Rorty fez da negação do conhecimento objetivo a redução intelectual que se torna propaganda e manipulação das consciências. Para ele o conhecimento humano não consegue abarcar o real e assim esforços culturais e científicos deveriam ter por finalidade expressar desejos coletivos. Se não há conceitos nem juízos universais válidos, pode-se propagandear quaisquer ideias e conceitos, fazendo que as pessoas compartilhem dessas crenças e ilusões. A função da intelectualidade é, portanto, gerar essas ilusões. O intelectual coletivo de Gramsci foi confrontado por Olavo de Carvalho com o Imbecil Coletivo. No Intelectual coletivo a vida intelectual reduz-se à mútua interconfirmação de crenças, preconceitos, sentimento e hábitos. Sua busca é a morte da individualização da consciência. Olavo, sagaz e irônico, criou para a intelectualidade brasileira a figura do Imbecil Coletivo “uma coletividade de pessoas de inteligência normal ou mesmo superior que se reúnem movidas pelo desejo comum de imbecilizar-se umas às outras”. Para estes intelectuais os movimentos coletivos estão acima de todos os julgamentos humanos de inteligência e estupidez, verdade e erro, razão e insensatez. O que importa é reconhecer sua força. Essa intelectualidade se abriga na impostura e amarra a realidade na invenção e no delírio. Vai-se da doutrinação à alienação e à alucinação, presumindo fraude os produtos da cultura e da inteligência humanas por meio de um esquema interpretativo simples, automático e repetível, de cunho ideológico. “O consentimento geral na inversão da realidade chega aí ao ponto de constituir um testemunho diabólico contra a inteligência humana”. E fecha Olavo: “que mais se pode esperar senão a confusão geral das consciências e a ascenção irrefreável da vigarice?”Steven Pinker cita que “a segunda década do século XXI viu a ascenção de movimentos que repudiam com estardalhaço os ideais do Iluminismo. Eles são tribalistas em vez de cosmopolitas, autoritários em vez de democráticos.” O desdém pelo individualismo, pela razão, pela ciência e liberdade, tornaram tudo inundado pelo ceticismo e pelo relativismo, as ideologias viraram religiões seculares que criaram comunidades irmanadas num catecismo de crenças, que demoniza a divergência e tem confiança inabalável na virtude de sua causa; a verdade e a realidade não precisam de tanta consistência. “A tendência a reduzir tudo ao âmbito das emoções tornou poderosos os ataques contra as formas que possibilitam o discurso, porque elas estabelecem uma disciplina e operam atravé de predicações que são por si próprias estáveis”, alerta Richard M. Weaver em As Ideias Têm Consequências. O conceito moderno de razão é, na raiz, ideológico. Busca-se, em vez de usar a razão para “alcançar o conhecimento inerente à realidade, construir sistemas para sujeitar a realidade”, escreve Gregory wolf. No seu livro A Beleza Salvará o Mundo, vindo de uma citação de Dostoievski, Wolf escreve “alguém pode criar um discurso político, uma polêmica jornalística assertiva, um programa para organizar a sociedade, um sistema filosófico, de tal forma que qualquer um deles pareça coeso, bem estruturado, mas cada um pode ser construído sobre um erro, uma mentira”, e conclui: “Conceitos fabricados fora da trama do real ou sobrecarregados não se sustentarão, não convencerão ninguém, obras que se embrenham na verdade, nos atraem para elas com uma força irresistível, e ninguém, nunca, mesmo em épocas posteriores, terá a presunção de negá-las.”

Dr. Geraldo Ferreira – Médico, Pres. SinmedRN

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