Artigo: O farisaísmo do bem e a farsa da virtude

18/05/2023

Artigo: O farisaísmo do bem e a farsa da virtude

18/05/2023

Artigo: O farisaísmo do bem e a farsa da virtude

“As forças do Bem e da Festa não conhecem limites. Eles se fundem, a princípio, contra o poder inventado de seus pretensos inimigos, dos quais seus bons apóstolos não cessam de denunciar a virulência mentirosa e as verdades arcaicas”, escrevendo sete anos depois do lançamento de seu livro O Império do Bem, Philippe Muray diz que em 1991, o Bem estava em sua infância, nas fraldas, longe de conhecer seu poder, que seria forjado em operações como Passado Limpo, Desejo pelo penal, Atiçamento do judiciário pelo conjunto midiático. A busca da mudança de costumes seria azeitada com a criminalização na marra a qualquer divergência, e a proteção generosa a uma multidão de vítimas que começando com os vulneráveis avançaram até alcançar malfeitores. E, macaqueando o Mal, o Bem liquidou qualquer contestação, demoliu qualquer sublevação, censurou qualquer subversão. No Bem que se tornou Festa, só existe o Bem, só existe a Festa. Tudo embalado pelo desejo de auto satisfação, maravilhamento consigo mesmo, transgressão, violação das normas da vida tradicional – chega de nostalgias mortíferas. Mas na sociedade em que tudo se transformou em espetáculo, o Bem precisa do Mal, nem que seja como um espantalho, a toda hora é preciso se mostrar altruísta, imaculado, benevolente, é preciso lutar bravamente contra inimigos imaginários, com coragem e audácia. O terrorismo do bem, filho da civilização das massas, se nutre de inimigos feitos sob medida, é no dizer de Muray “ o business do frisson e do fricote.” No palco, os campeões das boas causas, alardeando nobreza, chafurdam em ardilosa cumplicidade, inventando dissonâncias. E os defensores intransigentes do Bem, querem mais e mais leis, é preciso criminalizar, punir quem destoar. Os velhos reflexos do ódio e dos ressentimentos  são exibidos contra bodes expiatórios, ai de quem por em dúvida os dogmas do Bem ou a falta de método ou rigor científicos de teses ou bandeiras sustentadas pelos virtuosos. Toda vida tem virado aparência e a verdade é apenas uma figura de linguagem, querem que você acredite e basta. “A dissimulação e a hipocrisia”, dizia Sade, “são necessidades que a sociedade nos deu. Cedamos.” No paraíso do segundo milênio, cedendo à virtude farisaica, o mercado e os anunciantes são agora os censores da liberdade, com a ladainha dos bons sentimentos. A verdade, discorre Muray é que “O Bem geral se funda sobre a inveja, a feiúra, a ignorância, a credulidade, a hipocrisia.” Cada época tem seus, ídolos, pode ser o povo, como na Revolução Francesa, pode ser o Consenso, podem ser os vitimizados, podem ser os marginalizados, pode ser a virtude ou o Bem. Uma coisa é certa, esse ídolo passa a ser incriticável e intocável. Estamos cercados de valores esmagadores e aterrorizantes. E a golpes da lei e às custas de pressão da cátedra, da mídia e de grupos militantes, as causas e os dogmas vão se estabelecendo. Cada século tem seus farsantes a transformar o mundo em um salão de imposturas e egoísmo, nada estranho num tempo onde o show e o espetáculo tomaram o lugar da sabedoria. Sobressaltados, somos presas da inquietação de que vivemos um mundo falso, e que as novas ideias do Bom, do Bem e do Belo que são defendidas ardorosamente, usam de um malabarismo assombroso que pode até nos despertar interesse, mas não convencem. A trapaça do diabo, diz Baudalaire, é fazer as pessoas acreditarem que ele não existe. A mesma situação aparece em Marlowe, quando Fausto diz ao diabo que o inferno não existe. O diabo apenas responde: vá  pensando assim até que a realidade lhe apareça. O programa da nova ordem planetária, sem pensamento crítico, sem possibilidade de discordância, por mais implausível que a teoria seja, é assustadora. Os consenso montados em cima de um suposto bem da sociedade, mas que não aceitam o debate ou a confrontação ameaçam fazer da vida um inferno. Nesse inferno, conclui Philippe Maray, “o indivíduo, de sua parte, percebe imediatamente que nem de longe pode falar tudo o que quiser. Ficam planando sobre sua cabeça duas câmeras de espionagem, o Bem Comum e a Opinião Pública.” Jamais fomos menos livres do que agora, o particular não é mais nada. É preciso saber acariciar o coração da multidão. Vive-se tempos perigosos, mesmo na aplicação das leis transborda um ódio feroz a todo pensamento, a qualquer possibilidade de crítica, a toda tentativa de questionar. Se a política e a justiça se tornaram prisioneiras do Politicamente Correto e do Ódio do Bem, vindos da Academia, das Artes e da Mídia, quem sobrará para lançar luzes na escuridão? E até quando?

 

Dr. Geraldo Ferreira – Médico e Presidente do Sinmed RN

*Artigo publicado no jornal Agora RN em 18/05/2023

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