Artigo: A Justiça Sabotada

04/05/2023

Artigo: A Justiça Sabotada

04/05/2023

Artigo: A Justiça Sabotada

O Ocidente enfrenta uma guerra em curso contra as raízes de sua tradição e contra tudo aquilo que ela produziu de bom. “As pessoas começaram a falar de igualdade, mas pareciam não se importar com direitos iguais. Falavam de antirracismo, mas faziam-no de forma profundamente racista. Falavam de justiça, mas pareciam querer dizer vingança”, registra Douglas Murray em A Guerra Contra o Ocidente. Todo um conjunto de teorias sobre raça, gênero e identidade estava sendo construído, baseado em argumentos subjetivos, que passaram a dominar todas as discussões. O surgimento na década de 1960 do pós-modernismo gerou um movimento de ativistas, que usaram as bases filosóficas, artísticas e literárias desse movimento como arma na busca da justiça social. Essa visão de mundo, conforme Helen Pluckrose e James Lindsay, tem sua própria linguagem e cultura e “são obcecados por poder, linguagem, conhecimento e pela relação entre eles. A sua visão de mundo converte tudo em uma luta política, girando em torno de marcadores de identidade como raça, sexo, gênero, sexualidade e muitos outros”. O ativismo pela justiça social crítica ganhou grande influência em diversas áreas da sociedade, sobretudo por meio das redes sociais, e embora a maioria das pessoas não endosse o seu radicalismo, todos os gigantes da tecnologia, da mídia e do varejo estão profundamente enredados e subjugados por esse ativismo, profundamente sensível e interessado em punir celebridades, artistas, atletas e outros indivíduos que transgridam suas regras. Isso é chamado cultura do cancelamento, e costuma levar à destruição total da carreira e da reputação de uma pessoa por algo que ela possa ter dito décadas passadas. No papel, as ideias da justiça social crítica, nas teorias de enfrentamento ao preconceito, à marginalização, à opressão e à injustiça parecem boas, mas dificilmente funcionam porque são metanarrativas idealistas e não sistemas eficazes já testados.  Segundo Rawls: “como primeiras virtudes das atividades humanas, a verdade e a justiça são inalteráveis”, a visão irrestrita enfatiza a criação deliberada da lei, por legisladores e juízes, para produzir resultados sociais desejáveis. A visão restrita dá ênfase ao processo legal, sendo o juiz um transmissor neutro de princípios criados por leis constitucionais ou legislativas. O confronto dessas visões alcança campos tão amplos como liberdade de expressão e direito de propriedade. “A justiça é uma das muitas arenas dentro da qual o conflito ideológico é deflagrado”, anota Thomas Sowell. Não pode haver qualquer estrutura judiciária confiável se quem julga for livre o suficiente para impor suas próprias noções pessoais sobre o que é justo, caridoso ou mais de acordo com a justiça social. Cria-se uma penumbra de incertezas, quando os juízes se entregam às suas próprias noções. As leis podem mudar à medida que a sociedade muda, mas há diferença entre uma lei que muda em função do eleitorado, que vota em representantes que farão essas novas leis, comparada com alteração das leis por interpretação individuais. Para Marx: “a ideologia é um conjunto de ideias, doutrinas e mitos que existem devidos aos interesses que promovam, e não às verdades que contém”. Nada tem influenciado mais a justiça contemporânea do que os textos da justiça social crítica, que são uma espécie de evangelho ideológico e expressam sem apelação que brancos são racistas, homens são sexistas, o sexo não é biológico, a linguagem pode ser violência real, a negação da identidade de gênero está matando pessoas, remediar a deficiência ou obesidade é odioso e tudo precisa ser descolonizado. Esses estudos deram tudo isso como verdade inquestionável e todos tem de agir de acordo com essas ideias, a discordância não é tolerada, é rotulada de falha moral e criminalizada. Essa onda de ativismo jurídico e academicismo são o pós-modernismo aplicado, onde as teorias da justiça social crítica foram orientadas no sentido de objetivos e ações. A liberdade de expressão é um direito humano universal, ela é importante, sem censura ou punição, para o falante, mas também para o ouvinte. A liberdade de expressão, consciência e manifestação permite a luta contra poderes injustos e opressores e atuam como mediadoras entre diferentes ideias. Nesse mercado, as melhores ideias acabam prevalecendo, permitindo que a sociedade avance. Em 1907 e 1908 estabeleceram-se, através de Roscoe Pound, os princípios do ativismo judicial, que faz  a reinterpretação das leis em busca da implantação de políticas econômicas e sociais. Essa abordagem se tornaria preponderante. Mas nunca ficou bem esclarecido quem desejaria essas mudanças. Juízes se transformaram em árbitros das necessidades sociais, trazendo o risco de uma guerra judicial de cada um contra todos, com a lei esquecida e o resultado preso a ditames arbitrários. Uma justiça irrestrita que vá além dos confins do sistema legal tradicional ou da Constituição tem sido buscada por distorções da lei escrita para alcançar os resultados desejados. No entanto, escreve Thomas Sowell “uma constituição foi criada com um propósito, prescrever e restringir qual poder pode ser exercido, por quem e dentro de quais limites.” O ativismo jurídico é uma forma de imposição ao público de uma visão que os legisladores legalmente eleitos para tomá-las nem sequer encontraram entendimento político para votá-la. Pessimista em relação à flexibilização e reinterpretação das leis pelo ativismo judicial, fortemente apoiado pela mídia e intelectuais acadêmicos, profundamente comprometidos com a ideologia, Thomas Dowell cita Bertrand De Jouvenel: “A lei de fato perdeu sua alma e se transformou em selva”. A ideologia é a grande inimiga da verdade, quando fechando-se em si, perde os laços com real.  E torna-se absurda, quando “o real aparece, tenaz, obstinado, indelével”, aponta Mathieu Bock-Côté.

Dr. Geraldo Ferreira – Médico e Presidente do Sinmed RN

 

*Artigo publicado no jornal Agora RN em 04/05/2023

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