Artigo: A Era do Ressentimento

14/04/2022

Artigo: A Era do Ressentimento

14/04/2022

Artigo: A Era do Ressentimento

Não é fácil nomear a época em que vivemos. É fato que estudos de Manuel Castels  e um quase consenso mundial diria que vivemos a era da sociedade em rede. Outros diriam, mirando outros conceitos, que vivemos a era do multiculturalismo, da identidade, do ressentimento, do escândalo, da vitimização. Há uma denominação para cada gosto. Mas inegavelmente, a fuga das responsabilidades pessoais e um mito bem arraigado, com raízes em Rosseau e no romantismo, que diz que o homem é bom, faz cada vez mais que a procura por causas ou responsáveis, finde por transformar culpado em vítima e a sociedade como um todo em grande vilã. Ora, se o homem é bom e nasceu bom, deriva-se do pensamento de Rosseau, há que se ter um opressor que o transformou no que é. Isso tem sido justificativa para tentativa de compreensão de crimes odiosos, que vê seus causadores apontados em nova versão, idealizada, como vítima da colonização, da opressão militar ou cultural, da exploração econômica, de abusos e toda uma miríade de explicações, que esquece o sujeito da ação e suas responsabilidades quanto aos fatos, destruindo a tese caríssima ao ocidente do livre arbítrio e da capacidade do homem de escolher seu destino. Essa forma de pensar ou essa ideologia militante tem transformado criminosos em vítimas e o ocidente no grande caldeirão de males e de opressão. E mais, qualquer desencanto, fracasso pessoal ou derrota, procura desabaladamente por um culpado, que certamente não estará no sujeito, mas em algum fato histórico, trauma ou coisa que o valha. A fuga da responsabilidade pessoal impressiona porque não se trata de uma mera justificativa, mas uma crença implantada que se manifesta em absurdos, como se o livre arbítrio não tivesse em contrapartida a possibilidade de escolha ou de destino, ou que causas não desaguassem em consequências. A doutrina Cristã, que impregnou a sociedade por séculos, nos deixou a noção do pecado original. O homem traz em si a semente do mal, e a luta por controlá-la, superá-la deve ser permanente e implacável. Essa semente levaria o homem à defesa intransigente e egoísta de seus interesses, propelindo-o para todos os artifícios, ilícitos ou crimes em busca da satisfação de suas necessidades. O homem não nasce bom, ele precisa tornar-se bom. Isso acontece à medida que domina o conhecimento e, por escolhas conscientes, o utiliza para o bem, superando o desejo de utilizá-lo para o mal. Esse conceito foi substituído pelos românticos, pela visão de um homem puro que seria degradado pela sociedade. Se na teoria do pecado original a culpa está no homem e nas suas escolhas, nos românticos a culpa é externa e está na sociedade. Temos aí um prato cheio para ressentimentos e pedidos de reparação. Temos aí o prato cheio para a vitimização. Talvez o conceito da sociedade em rede nos mostre que há alguns enlaces que podem mostrar como a vitimização e a eterna busca de opressores favoreça o ressentimento, e por tabela os crimes de várias naturezas em que a sociedade se vê enredada. No mundo sem religião, com a família sendo erodida continuamente, sobram às pessoas o consumismo, o entretenimento e as relações pessoais. Cada qual com seu apelo e suas cargas de custo, peso, frustrações, encantos e desencantos. A vida perde então qualquer sentido de transcendência. Assim sendo, o jogo muda, e o individualismo com seus interesses absolutos gera seus reflexos na vida social. A busca da satisfação dos desejos e interesses referentes a Consumo, Entretenimento e Relações Pessoais, sem limites e sem freios, descamba para a violência de toda natureza como roubo, assassinatos, agressões ou insatisfação pessoal que se reflete em quebra de laços familiares, separações, e no outro plano patológico no aumento extremado de doenças físicas ou mentais, onde se destaca como uma epidemia a depressão. Num mundo assim, recusando-se a aceitar a responsabilidade individual por suas escolhas e destino, a mente humana se recusa nega ser responsável por seus erros, cabe então procurar responsáveis pelos fracassos e desastres pessoais. A escolha do culpado invariavelmente cairá sobre os vencedores, como se tivessem subtraídos parcelas de riqueza, sucesso e felicidade, que teriam sido tomados dos outros e não construídos com esforço, estudo, trabalho e mérito. Se ser um vencedor desperta despeito e ressentimento, melhor o papel de vítima, é mais cômodo e conveniente, e permite por tabela que a pessoa não seja cobrada por seus atos e até peça reparações pelo sofrimento causado pelas escolhas que fez. Mas para que o papel de vítima faça sentido há que se ter um outro polo que complete o jogo, aí entra em cena o Sentimentalismo tóxico, onde a manipulação emocional se faz com um suposto sentimento de culpa que todos carregam.

 

Dr. Geraldo Ferreira – Médico e Presidente do Sinmed RN

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