A subversão cultural como arma política

14/12/2023

A subversão cultural como arma política

14/12/2023

A subversão cultural como arma política

“O brilhantismo de Shakespeare reside na apresentação dramática de dilemas recorrentes da vida: a calamidade do governo perverso, a traição dos invejosos, a primazia da virtude e a cegueira dos tolos”, escreve Jeffrey Nyquist em As Mentiras em que Acreditamos. Richard M. Weaver em As Ideias Tem Consequências, observou que o Ocidente estava se desintegrando porque perdera seu sonho metafísico sobre o mundo, esse sonho é que nos encaminhava a uma vida harmoniosa, pelo senso que havia uma comunidade espiritual que nos orientava em relação ao mundo e aos outros. A desintegração espiritual da modernidade está ao nosso redor, na política, no mercado. “Uma civilização decadente pode parecer prosperar, mas não se deve ser enganado pelas aparências. A civilização está indo embora”. A velhacaria se espalha por todos os lados, o primado da lei desaba. Como não se aceita mais o sonho transcendente, alimentado pelas ideias, crenças e convicções construídas pela tradição e pela história, o mundo ficou entregue às imbecilidades em série da ideologia. Empurra-se de goela abaixo da sociedade os dogmas e programas do politicamente correto. O sistema de controle cultural antecipa a censura judicial e o controle policial. A tirania suave se considera do bem, no entanto a sociedade que adota a falsificação e a delusão, amordaçando os que dizem a verdade acabará por se tornar desumana. O projeto multiculturalista tem a pretensão de transformar a sociedade, demarcando narrativas de legitimação e os limites para o pensável e o impensável. Estabelece por conta própria o que é progresso ou retrocesso, que forças sociais devem ser encorajadas e quais devem ser desqualificadas e desclassificadas. Guglielmo Ferrero alertava do risco de substituir o sentido da história pela narrativa que relata um conflito entre diferentes projetos políticos que buscam apoderar-se das instituições e pretendem exercer uma hegemonia. É fato que o espaço público nunca foi neutro, ele sempre delimitou a esfera do dizível, do tolerável, do intolerável. Mathieu Bock-Côté em O Multiculturalismo diz que uma civilização sempre repousa sobre uma certa ideia do homem, isso leva à pergunta: em que ideia do ser humano se baseia a modernidade, teria o progresso sufocado a história e os costumes, a utopia teria anulado a memória e a razão? A ideia modernista ou pós-modernista é de que a cultura ocidental é um fardo do qual precisamos nos livrar, todas as restrições à mente, inclusive as regras da verdade, da objetividade e do sentido devem ser abandonadas. “Uma cultura é uma forma de pertencimento a uma comunidade, e a alta cultura, que é sua parte suto-consciente, perpetua a memória desse pertencimento e a eleva, transformando-a em algo natural, imutável e sereno”, escreve Roger Scruton em Uma Filosofia Política. A emergência de uma cultura de repúdio parece ser o resultado da degradação da religião antiga, da desorientação profunda nascida do ataque aos valores e crenças que vinham dos pais, e do completo relativismo que permite que cada crença ou valor flutue livremente, numa renúncia total à verdade e à objetividade. Assim, sob o domínio do pragmatismo pode-se falsificar a história ou qualquer outra coisa para nos aprisionar em sua teia. O falso intelectual nos convida a conspirar na sua própria autoilusão, juntando-nos ao seu mundo de fantasia. Eu Ilegalidades ignoradas, mentiras consideradas verdadeiras, criminosos idolatrados e justos denunciados, alertam para a advertência de Weaver “em face da enorme brutalidade de nossa época, parecemos incapazes de dar uma resposta apropriada às perversões da verdade e atos de bestialidade.” A subversão da cultura tem consequências comparáveis à da corrupção na política. Numa cultura falsificada a realidade é sacrificada à fantasia privada, que se tornou religião pública, em que as elites intelectuais e midiáticas detêm o monopólio sobre a narrativa coletiva e sobre os parâmetros que a definem, cheios de proibições ideológicas, implícitas parte do tempo, mas subitamente visíveis se confrontadas ou contrariadas. Hoje o debate se caracteriza mais sobre o que não pode ser dito do que sobre o que pode ser discutido. Assuntos da alçada do politicamente correto são dados como resolvidos, discordar é ser imediatamente julgado, condenado e cancelado. A filosofia da desconstrução, da emancipação, da transgressão e do repúdio buscam jogar cada vez mais a sociedade para distante da cultura tradicional, considerada retrógrada e repressora. Mathieu Bock-Côté define o politicamente correto como “um dispositivo inibidor cuja vocação é sufocar, demonizar e reprimir as críticas ao regime que defende e exclui do espaço público todos os que porventura transgridam essa proibição”. A isso, as inovações da linguagem enquadram como fobias e irracionalidade tóxica. Em troca, a minoria protegida precisa entregar sua alma, aceitar ser arrastada pelo movimento, sem jamais agarrar-se aos velhos galhos do passado. E Bock-Côté conclui: “Quem não participa da festa e não sabe dar testemunho de seu espírito festivo assume o rosto de inimigo”. Na prática, o poder da encenação da existência substitui o próprio real. A busca por entender porque a busca do socialismo redentor pela Rússia, tinha chegado na verdade ao fascismo mais opressor levou ao nascimento do marxismo ocidental. Os nomes são bem conhecidos: Gramsci, Horheimer, Adorno, Althusser, Marcuse, Foucault, Sartre, essa geração de pensadores saltou do interesse pela teoria econômica para os assuntos de filosofia e problemática cultural. A luta por criar uma nova visão do mundo, confrontando agressivamente toda antiguidade, permitiu fazer da luta cultural o complemento da moeda que tinha no outro lado a luta política pelo socialismo. Foi a escola de Frankfurt que pôs em relevo as problemáticas filosóficas e culturais, chamando a uma construção de uma nova Teoria Crítica da sociedade, que engendrou a visão do mundo atual que domina a Universidade, as Artes, A Mídia e avança voraz, aniquilando as reações. Hoje, “duas de nossas mais preciosas formas de comunicação, o discurso político e a razão em si, foram comprometidos pelo separatismo ideológico”, escreve Gregory Wolfe em A Beleza Salvará o Mundo. A cultura contemporânea foi amaldiçoada, há lixo por todos os lados, nos posicionamentos políticos, na deturpação da linguagem, na relativização da moralidade, na relativização da realidade, na fealdade das artes modernas, com suas imagens e mensagens sombrias, degradantes e deprimentes. Na sociedade fragmentada e secularizada, cada vez mais estridente e utópica, não se sabe se ainda haverá a possibilidade de “uma estética teológica capaz de curar e unir”, diz Wolfe. A cultura amoral e niilista, temas como aborto, eutanásia, família, sexualidade, religião estão no cerne da guerra cultural. Arte, Religião, Intelectualidade e costumes fornecem as questões para o debate político. Em algum momento da história uma linha foi cruzada e a qualidade do discurso público se degenerou. Vivemos em uma Babel com tribos antagônicas, onde se fala apenas o idioma de raça, classe, direitos e ideologia. Com cada vez menos espaço para reconciliação e redenção.


Dr. Geraldo Ferreira – Presidente do Sinmed RN  

Publicado no Jornal Agora RN em 15/12/2023

whatsapp button