A Criminalização da palavra

08/09/2023

A Criminalização da palavra

08/09/2023

A Criminalização da palavra

A Liberdade de Expressão é a maior das liberdades porque socorre as outras liberdades quando estão ameaçadas. Mas a liberdade de Expressão também está ameaçada. Códigos de discurso e palavras censuradas ameaçam romper a apreensão da realidade e a própria compreensão do mundo. Os inquisitores e censores do pensamento e das palavras definem quem deve ser cancelado, excluído e calado. Sem resistência, no futuro, em vez de falar, será mais seguro grunhir.

A Criminalização da palavra

O Pós-modernismo é regido pela suspeição à verdade, ao conhecimento objetivo e à individualidade. O ceticismo radical acompanha o construtivismo cultural, que duvida da obtenção de qualquer verdade ou conhecimento objetivos. Na base da política estariam sistemas de poder que decidiriam o que pode ou não ser conhecido e como. Quatro temas são martelados obsessivamente pelo Pós-modernismo: “A indefinição de fronteiras, o poder da linguagem, o relativismo cultural, e a perda do individual e do universal”, informam Helen Pluckrose e James Lindsay em Teorias Cínicas. O estudo aprofundado desses temas, mais esses princípios, conduziram o pós-modernismo do desconstrutivismo desesperançado à militância “estridente e quase religiosa de hoje”. O poder e o perigo da linguagem ocupam o primeiro plano e estão no centro de todas as teorias do pós-modernismo aplicado, a linguagem é policiada, dissecada e analisada de acordo com os sistemas de referências teóricos. A ideia de que as palavras são poderosas e perigosas se espalhou e fundamenta o ativismo referente a violência discursiva, espaços seguros, microagressões e alertas de gatilho. A desconstrução, uma das colunas do pós-modernismo aposta descaradamente que nenhuma ato ou palavra tem um significado real e que “qualquer significado aparente pode facilmente ser transformado em seu oposto, em nada ou revelar-se uma máscara que esconde algo repugnante”, escreve Stephen R. C. Hicks em Explicando O Pós-Modernismo. Uma teoria dessa natureza, que confronta o Iluminismo, e sua confiança na liberdade, na razão e na ciência, que permeia a mente e emoções de milhões de pessoas, que influencia ou mesmo domina a opinião pública das principais nações ocidentais, atende do ponto de vista político a uma necessidade premente. James Burnham, em O Suicídio do Ocidente, arrisca “é a ideologia do suicídio ocidental.” Dessa forma tudo fica claro, e as crenças, emoções e valores a ele associados se encaixam. Há uma engenhosidade deslumbrante na dissolução da civilização ocidental, a ideia de que a natureza humana é plástica e que nada é inerente a esta natureza. No liberalismo clássico a liberdade individual é o primeiro dos valores, o avanço da justiça social, junto com o bem-estar delimitaram um espaço que ameaça engolir a individualidade, a propriedade e a própria liberdade. Os intelectuais retiram suas ideias dos tempos em que vivem, o politicamente correto busca impor suas teses através da desqualificação midiática e política não só dos dissidentes, mas mesmo dos que aceitam suas teses, mas não as alardeiam. Não basta ser contra, tem que ser combatente, anti. Como o campo de batalha passou a ser eminentemente midiático já se propõe abertamente a suspensão da “publicação de jornais ou revistas com veiculação de representações negativas” ao movimento cuja pretensão é a hegemonia. “Os veículos de comunicação deverão aprender a se disciplinar”, denuncia Mathieu Bock-Côté. Tudo que for contrário pode ser delirantemente enquadrado como discurso de ódio. A própria ideologia é que fixa os critérios do que é um discurso tolerante ou intolerante. Há claramente um chamado à censura política da crítica. Talvez se espere, no fim das contas, que se possa “privar a oposição do acesso ao espaço público, privar os dissidentes de seus direitos cívicos, destituí-los ao menos parcialmente de sua cidadania, excluí-los da comunidade política”, alerta Bock-Côté. A criminalização do pensamento, da opinião e da palavra avança. O progressismo repousa numa cultura de vigilância generalizada, quem contradiz a ortodoxia é denunciado e cancelado pelos profissionais da indignação. Cria-se um escândalo, corrompe-se o debate público, substituído por uma cultura inquisitorial. Uma palavra fora do contexto, um desvio léxico leva a um rótulo, do qual já não se consegue descolar, aí celeuma alimenta celeuma, até que exaurido da chicana o homem enfrenta a morte social por uma palavra a mais, um deslize transformado em delito moralmente intolerável. Orwell escreveu “quem quer controlar o pensamento controla primeiro as palavras”. Esse domínio passa a balizar os limites nos quais a conversação pública deve restringir-se.” O espaço mental é encolhido quando uma linguagem constringe o espaço das representações e as possibilidades de desdobramento da imaginação.” Já não se consegue apreender a realidade, as palavras para apreendê-la foram rifadas e estão indisponíveis. Fazer referência a elas pode ser um escândalo. Pensamentos também podem se tornar informuláveis. Orwell atentava “o totalitarismo busca controlar a linguagem porque pretende controlar o pensamento”. Os Bárbaros eram assim chamados pelos gregos em razão de seus idiomas serem reduplicações onomatopeicas, segundo a pesquisadora Loannis Petropoulos, que eram entendidos com bar, bar, bar. No início da era moderna, a liberdade de expressão, apoiada nos argumentos poderosos de filósofos e cientistas como Galileu Galilei, John Locke e John Stuart Mill, venceu a batalha contra o autoritarismo tradicional.
A partir deles ficou estabelecido que a razão era essencial para o conhecimento da realidade, que era uma função do indivíduo que precisava da liberdade de pensar, criticar e debater para conhecer esta realidade. Ao mesmo tempo esta liberdade era importante para os outros membros da sociedade. Vivemos na realidade e nossa sobrevivência depende de entender isso. Se queremos aprender uns com os outros, precisamos da liberdade de debater, criticar, questionar. A tomada de decisões envolve escolhas informadas e o caminho para elas é a discussão e o debate vigoroso. Mas para os pós-modernistas, escreve Stephen Hicks, em Guerra Cultural, o discurso deixa de ser uma “ferramenta de conhecimento e comunicação entre indivíduos livres, para ser uma arma no conflito entre grupos desiguais”. Para os liberais há distinção entre discurso e ação, para os pós-modernistas discurso é ação, e como tal pode ser limitado, cerceado e censurado. Nestes tempos de relativismo e desconstrução, talvez estejamos retroagindo a uma era do passado. Nessa velha nova era, a bestialidade sufoca a liberdade de expressão e todos os valores que permitiram a evolução da cultura e seu refinamento, que desabrochou no que chamamos civilização. Nelson Rodrigues nos alertava “antigamente o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem”. Com a palavra e a linguagem interditadas pela censura ideológica, e sob o risco da demonização e aniquilação pública, talvez no futuro possamos no máximo grunhir.

 

Dr. Geraldo Ferreira – Médico, Pres. SinmedRN

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