A sociedade que vem negando o mundo dos adultos e desprezando o mundo dos idosos mergulhou de vez na vertigem do mundo adolescente. A idade, o frescor da juventude e o sonho de eternidade pesa sobre a finitude humana. Mais ainda, num mundo povoado de desencantos, o desejo de ser jovem eternamente se agudiza. O velho recorda a todos a fatalidade da vida, por isso há que se descartá-lo, escondê-lo ou na melhor das hipóteses maquiar a velhice. “Um bom juiz”, diz Sócrates no banquete de Platão, “não deve ser jovem ou ancião, mas alguém que tenha aprendido com o tempo o que é a injustiça”. Os tempos modernos trouxeram uma rebelião contra a tradição. Toda herança deve ser revisada ou descartada, os costumes questionados, as crenças rejeitadas. Ninguém deseja mais a referência dos grandes homens. “O grande assombra” escreveu Machado de Assis, mais ainda quando se sente o peso da incapacidade de emular sua grandeza, melhor então mesquinhamente apagá-lo. A Infância hoje também pouco importa, a não ser como matéria política, o retrato da infância moderna é cada vez mais o de um adulto reduzido, com vestimentas, diversões e costumes precocemente adultizado, inclusive na erotização, nos jogos eletrônicos e no distanciamento do mundo que corre ao seu redor. O processo de retirada de Deus do mundo é um trabalho de séculos, o homem assume assim a assombrosa tarefa de refazer o mundo à sua medida. Por trás, como guia, emergem teologias que disputam o vazio. Comum a todas elas, a ideia de progresso que conduziria no final à liberdade e à realização humanas. Antes, porém, irrompe no palco ruidosamente um personagem novo. No mundo onde as tecnologias de comunicação não deixaram qualquer informação reservada ao mundo adulto, onde violência, sexo, tragédias, vícios, tudo se abre despudoradamente diante das telas, desaparece a fronteira que separava as idades. A criança cresce e de repente entra no reino da indiferenciação, da instabilidade, da descontinuidade, emerge a adolescência. Esses são hoje os nativos digitais que ditam os rumos da sociedade digital. Dividem com as redes as características psíquicas e culturais da idade, cita Agustin Laje: “paixão pelo novo, adaptabilidade tecnológica, compulsão publicitária, desejo incontido de ser visto, instabilidade entre individualidade e grupo, crises identitárias permanentes, valores e gostos efêmeros”. Quem fixa a forma e o conteúdo da cultura atual é o adolescente, porque melhor domina e se assenhorou dos meios e dispositivos que a criam e determinam. Enquanto o mundo pós-industrial vai se baseando cada vez mais na economia digital, a internet transcende o campo da diversão, da folga e do lazer para o próprio fundamento do sistema social. Isso inverteu o mundo, e os adultos que eram possuidores de segredos, conhecimentos e mistérios que se iam revelando da infância para a maturidade, de repente se viram transformados em imitadores, que buscam desesperadamente desvendar os segredos dos mais jovens. A ideologia adolescente que perpassa as redes e o mundo real, que se tornou imitativo, é a do instante, do momento, o divertimento passa a ser o cerne da cultura. Todos resistem a entrar no mundo adulto, sinônimo de falta de criatividade, flexibilidade, originalidade, adaptabilidade, carente de energia e vitalidade. Se ser adulto era sinal de maior ganho econômico, a entrada em campo de celebridades e influencers jogou isso por terra. O adolescente é em si próprio a metáfora de nossa sociedade e cultura. Apesar de herdeiro de condições de vida inigualável, o adolescente e a sociedade da qual ele se apropriou desconhece os fundamentos históricos e culturais que tornaram possíveis essas condições, e mais, nem sequer se interessam. Desenraizados, raízes à deriva, surge o desarraigado de Simone Well, o homem massa de Ortega y Gasset ou ao fim o Idiota moderno para se deparar mais à frente com a dolorosa busca de sentido para tudo que faz. A modernidade liberou o indivíduo dos laços de tradição e religião, tornando a vida aberta à indeterminação do sentido. Quem se propõe a substituir a tradição e a religião são as ideologias, grandes relatos como Comunismo, Nazismo ou Fascismo que terminaram em crises fulminantes. Hoje o hedonismo, culto ao prazer, e o niilismo, pessimismo, descrença, desesperança, campeiam. A própria verdade se vê substituída pela pós-verdade, onde tudo é visto como interpretação. Amarrada à rede digital, a sociedade adolescente procura um sentido que a faça caminhar, agora já sem as âncoras que garantiram a chegada até aqui: valores, ética, moral, família, religião, tradição, costumes. À deriva, apenas um pequeno ponto se oferece, transformando-se em guia que pode conduzir ao céu ou ao inferno, indistintamente. Um polegar apontado para cima marca o like perseguido e ansiado nas inebriantes redes digitais que dão vida ou morte digital, com suas riquezas e seus cancelamentos.  Apreensivo, pergunta Agustin Laje – Mas, pode um like dar algum sentido à vida?

Dr. Geraldo Ferreira – Médico, Presidente do Sinmed RN