05/05/2021
05/05/2021
O politicamente correto é o pesadelo da novilíngua do romance 1984, de George Orwell, invadindo a realidade. Como uma profecia, o livro descreve o mundo em um governo autoritário, onde as intervenções de caráter psicológico sobre os indivíduos são feitas pela criação de uma realidade fantasiosa em que, através da farsa nas palavras e na linguagem, é estabelecida uma distopia. Um novo idioma é criado, a novilíngua, não com novas palavras, mas com supressões ou novos sentidos, cuja função é restringir o alcance da racionalidade. Com o controle da linguagem se pretende controlar o pensamento. Termos afáveis e afetuosos mascaram a opressão, o controle, a privação da liberdade e o desespero num mundo onde o pensamento divergente é crime. Richard Weaver, em As Ideias tem Consequências, diz que toda comunidade metafísica depende da capacidade dos homens de entenderem uns aos outros, o conhecimento da realidade vem ao homem através da palavra. Dominar politicamente a linguagem é dominar o pensamento e escravizar a sociedade. Assim, através da manipulação palavras consagradas ganham novos sentidos, com carga emocional, colocando as pessoas em posições contraditórias e polarizadas, levando a conflitos irreconciliáveis. O Ministério da Verdade no romance 1984 é responsável por falsificações de documentos, escritos, ou mesmo literatura que possam servir de referência. Tudo tem que ser condizente com o que o Partido diz ser verdade, a história tem que ser reescrita de acordo com os interesses do poder. O politicamente correto traz consigo uma nova fala, dando vida real à diabólica criação do governo autoritário do romance. A adulteração das palavras com a criação de novos sentidos tenta driblar a ética e o entendimento, tornando aceitáveis condutas, procedimentos ou ações que seriam prontamente repudiadas e contraditadas em seu sentido original. Gênero, comportamento, etnia, moral, Todas essas áreas são campos de batalha da imposição de novos sentidos à linguagem. Gênero, que na gramática significa se uma palavra é masculina ou feminina substituiu no politicamente correto a palavra sexo, para desconstruir a ideia de sexo biológico masculino e feminino, o objetivo é descaracterizar a família tradicional. Daí nasce a ideologia de gênero com todo um arcabouço voltado à intervenção do Estado nos papéis tradicionais, vistos como negativos para a ideologia. Uma luta brutal pressiona a política, a mídia e a linguagem para de forma compulsiva e coercitiva, neutralizar ou minimizar especificações de sexo. Em 2016 a Associação Médica Britânica recomendou a substituição da expressão mulher grávida por pessoa grávida. Para não ferir a sensibilidade dos transgêneros, não interessa aos censores a realidade de que ali está uma mulher grávida. O absurdo alcança por vezes o delírio como numa publicação de Dráuzio Varela em rede social, rifando a palavra mulher por pessoa com vagina. A novilíngua alcança a questão do aborto na absorção do tema pelos direitos reprodutivos, onde o chavão meu corpo minhas regras esgoela que feto não é bebê e grávida não é mãe. Na questão da etnia a sensibilidade foi levada ao desatino. Discriminação, um ato aberto, do mundo real, no dizer de Thomás Sowell, com consequências, difere do uso simples de vocábulos como branco ou preto, mas o politicamente correto coloca tudo histericamente no pacote do racismo. Discriminação contra um grupo supostamente dominante é tratada na nova fala como preferência. A luta política é um vale tudo e dividir as pessoas garante uma fatia de eleitorado para quem as divide. Na questão da segurança, bandidos são transmudados em suspeitos. A ideologia detesta a alta cultura e a liberdade de pensamento porque elas têm a capacidade de desmascarar mentiras. O politicamente correto busca se firmar como um poder normativo na vida das pessoas. Sobre isso, manifestou-se Theodore Dalrymple “uma vez que se o tenha, jamais se ficará satisfeito com a dose. Um poder infinito passará a pensar a si mesmo como infinitamente bom, já que se torna infinitamente responsável pelos seus súditos.”
Dr. Geraldo Ferreira
Presidente do Sinmed-RN
Publicado no Jornal Agora RN dia 05/05/2021