Anna Maria Cascudo e a Medicina Popular

26/09/2011

Anna Maria Cascudo e a Medicina Popular

26/09/2011

No último dia 21 de setembro a 3ª edição do Sinmed Cultural apresentou a palestra "Medicina e Literatura", proferida pela filha do notável de Camara Cascudo, Anna Maria Cascudo. O evento que busca trazer aos médicos associados, uma vez por mês, pessoas ligadas a literatura e a arte para apresentar diversos temas com intuito de proporcionar momentos de lazer e conhecimento teve a cobertura completa do NOVO JORNAL. Acompanhe na íntegra o texto puclicado no periódico impresso.

– Padim Ciço, me socorra
Uma meizinha me dê
– Não se queixe, minha filha, à toa sem ter de quê
Remédio para o seu mal, tem no rio e no quintal:
Vassourinha e Moçambé

 

(Trecho do ABC do Padre Cícero, de Lúcio Várzea)

Os hábitos folclóricos e culturais em torno da medicina popular sempre orientaram até mesmo os mais céticos. Uma cópia de uma oração cuja autoria é de uma “rezadeira” alagoana inspirou a historiadora Ana Maria Cascudo a mergulhar no assunto e apresentar a palestra “Medicina e Folclore” para um público propenso a refutar esse tipo de saber: os médicos.

Quem nunca ouviu dos seus pais ou avós a expressão “Saia do sereno!”, para evitar os ares noturnos? Ou mesmo “Não tome vento encanado!”, advertência sobre as súbitas rajadas de vento que poderiam levar a um problema respiratório. Segundo ela, a explicação para isso é que, antigamente, muitos cemitérios ficavam na parte alta da cidade e os ventos da noite eram considerados potenciais transmissores de doenças.

“Um pesquisador estrangeiro do século XIX andou pelo Brasil e considerou a localização dos cemitérios um fato inédito. Não há uma explicação urbanística para isso. Acreditava-se que os ‘ventos ruins’ ficavam circulando lá por cima”, explica ela.

Superstições em torno da asma (doença respiratória, conhecida popularmente como puxamento, puxado e piado) também fazem parte da fala da historiadora, tendo ela mesma tomado chá de “bigode de gato” para se curar de uma crise. Outras “terapias” adotadas contra a doença eram a aspiração de fumaça da erva-santa ou tabaco. Outra alternativa era esfregar a banha do tejuaçu (tipo de lagarto) nas costas e no peito. No sertão, levava-se ao forno orelha de gato até ressecá-la e tomava- se o caldo. De preferência a esquerda. Era considera do um hábito eficiente contra a asma cuspir na boca do peixe e soltá-lo. “Eu já vi isso em Touros e Baía Formosa”, conta ela. Mário de Andrade, em “Namoros com a Medicina”, atendendo ao pedido do amigo Câmara Cascudo, registrou: “Asma, em Pernambuco, se cura com uma colher de ‘bosta de vaca’ apanhada quente no momento da dejeção”. Costumava-se ainda receitar gema de ovo e mel de engenho, além de leite de jumenta, tomado logo depois de colhido, para as crianças com bronquite.

Ana Maria também se debruçou no estudo do “Catimbó”, as práticas mágico-religiosas muito comuns na região Nordeste. E para fazer ou debelar os catimbós é preciso se cercar de certas plantas. “Não há feiticeiro sem arruda nem feiticeiro sem jurema”, disse, dando o exemplo de duas plantas. Os indígenas, segunda ela, depois de consumirem jurema, tinham “sonhos extasiantes”. “Já me ofereceram várias vezes mas eu não tive coragem de tomar”, garante ela. No catimbó, a jurema é misturada com cachaça.

A saúde da criança é outro grande alvo das receitas populares. Quando demoram para começar a falar, o que devem tomar? Água de chocalho. Para aliviar de um engasgo, qual é a solução? Levanta-se os braços para o alto e fala “São Braz! São Braz!”. Para passar soluços, um pedaço de algodão na testa. O umbigo do recém-nascido deve ser jogado nas “águas sagradas do mar”.

Outro campeão das crendices é o famoso “mau olhado”. No sertão potiguar, as crianças costumavam carregar uma medalhinha de Santa Luzia para se proteger desses olhares atravessados. Baratas torradas servem para cólicas intestinais. Chá de cocô de cachorros também.

A quase interminável quantidade de “receitas” rendeu ao auditório do Sindicato dos Médicos uma noite divertida, enriquecida não com os rigores da ciências, mas com o rico repertório da cultura espontânea. “Tem assunto para outras palestras”, garantiu a historiadora, que finalizou a palestra com uma homenagem aos “alquimistas milagrosos”, “figurantes da caridade”, “cancioneiros em busca da melodia da saúda”, ou seja, os médicos que estavam na plateia. Foi aplaudida de pé. 

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