O mundo despedaçado que afastou Deus

27/10/2021

O mundo despedaçado que afastou Deus

27/10/2021

O mundo despedaçado que afastou Deus

A mitologia da Grécia antiga tinha previsto a vingança do tempo contra a eternidade. Mesmo os deuses imortais não eram absolutos, estavam sujeitos a conviver com um destino de ordem superior, eles deram a esse poder do destino o nome Moira. Ela distribuía a todos as grandezas e tragédias que lhes cabiam. Na mitologia germânica o crepúsculo dos deuses alcança a ruína na conflagração no fim dos tempos. Tudo termina com a morte de Thor e de Odin, então Surt, o vulcano nórdico incendeia o mundo e queima tudo que existe. Tudo consumado. Mas, escreve Peter Sloterdijk em Pós Deus, “Do inferno emergem alguns deuses e um casal humano de sobreviventes. Sua tarefa será a instauração de um novo ciclo de vida”. Wagner, compositor alemão, aborda o crepúsculo dos deuses como a correção de um erro moral, pois não reconhece um pecado original, mas um erro original na criação. A Modernidade se apossou desses mitos para fazer migrar a criatividade para um novo potencial, a arte e a tecnologia. Foi Giambattista Vico quem descreveu esse movimento de migração de deuses para heróis e homens. Onde existiam deuses haverá seres humanos. Embora as ideias não sejam capazes de alterar a história isoladamente, o seu impacto parte da filosofia para propagar-se nas esferas política e social, e alimentam a retórica da insurreição, insuflando o conflito contra a autoridade e a tradição. A infidelidade das massas vem como fruto de um ataque abrasivo à velha ordem, mas não se resolve, por enfrentar as dificuldades de legitimação de novos sistemas e regimes ao adotar uma postura demasiado crítica, corrosiva e destrutiva. Terry Eagleton, em A Morte de Deus na Cultura, diz: “A história da era moderna é, entre outras coisas, a busca de um vice-rei de Deus”. Razão, Natureza, Cultura, Arte, Nação, Estado, Ciência, Humanidade, Sociedade, O Ser, O Desejo, todos se apresentam como soluções ideológicas e espirituais, possuidores de uma versão diluída de fé. Para Marx o homem é produto da natureza, do trabalho, do poder, da história, da cultura, do parentesco; para Nietzsche é através do mito que a cultura encontra força natural para sua criatividade, a paixão e não a crença governa as mentes. Tudo isso vai encaminhar o mundo para o pós-modernismo, que se especializando em desconstruir as velhas religiões, as substitui pelo conceito de justiça social, onde o desespero e a desesperança encontram nova confiança, com adesão tipicamente religiosa. Helen Pluckrose e James Lindsay, em Teorias Cínicas, dizem que a nova fé emerge no desejo de remodelar a sociedade, com asserções de que ela é dividida em identidades dominantes e marginalizadas, que todo conhecimento é construído, toda verdade é provisória, “o pós-modernismo se concentra em conjuntos de pessoas que se entende que estão posicionadas da mesma maneira – raça, sexo ou classe, por exemplo – e têm as mesmas experiências e percepções devido a esse posicionamento”.  Em O Naufrágio das Civilizações, Amin Maalouf fala do colossal engano em que o mundo mergulhou, o de que o confronto entre grupos culturais reforçaria a coesão interna, mas ao contrário “O que caracteriza a humanidade de nossos dias não é uma tendência a se reagrupar no seio de vastíssimas coletividades, mas uma propensão à fragmentação, à divisão, com frequência entre violência e amargura”. A soma de todos os egoísmos atuando não irão harmonizar a sociedade rumo à paz e à prosperidade. Prossegue Maalouf: “Vemo-nos, mundo afora, desprotegidos, desamparados, dissertando sobre integração, sobre inclusão, sobre as virtudes da diversidade, enquanto a solidariedade mais abrangente vai se desfiando”. Perplexo, o homem caminha no mundo entre conflitos e ressentimentos. Eagleton assinala que a doutrina do pecado original sustenta a todos a capacidade de redenção, caso apenas se arrependam, ao reconhecer “a tenacidade do egoísmo humano, a persistência da violência e da auto ilusão, a arrogância do poder, a recorrência compulsiva do conflito, a fragilidade da virtude e a eterna insatisfação do desejo”.

Dr. Geraldo Ferreira – Médico e Presidente do Sinmed RN

 

Artigo publicado no Agora Jornal dia 27 de outubro de 2021

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