Artigo: O espírito do tempo reconstruindo o mundo

20/01/2022

Artigo: O espírito do tempo reconstruindo o mundo

20/01/2022

Artigo: O espírito do tempo reconstruindo o mundo

Quando o cardeal polonês Karol Wojtyla foi eleito papa João Paulo II, em outubro de 1978, a KGB, Serviço Secreto da União Soviética, advertiu que ele seria uma ameaça perigosa ao comunismo. Pouco mais de 10 anos depois, a maioria dos Estados comunistas caíra, e a própria União Soviética se desmancharia em 26 de dezembro de 1991. A queda do muro de Berlim trouxe um sopro de esperança. Sucessivamente tinham caído as tiranias que em nome da utopia socialista oprimiram, perseguiram e mataram tantos. Zeitgeist, chama-se espírito do tempo, filosofia que se estende a Herder, mas se consolida em Hegel, uma  orquestração magnífica que envolve cultura, ciência, arte e todas as manifestações sociais que refletem o espírito guardião da época, o conjunto do clima sociológico, intelectual e cultural de um momento, jamais repetido num outro. “Temos o poder de recriar o mundo de novo”, dizia Reagan, enquanto lutava para destruir o mundo comunista, nascido de Lênin e Stalin a partir de 1917. Em 1989 todos sabiam que viviam uma época extraordinária, o mundo chegava enfim à transição histórica de uma era para outra, com personagens impetuosos, procurando ativamente remodelar o mundo em que viviam. Eles desenharam com coragem, determinação e visão, um caminho de retorno à tradição, à prosperidade ou à liberdade, como instâncias últimas de seus propósitos. O mundo foi sacudido, mobilizando a religião, a economia, a política, os ideais, e personagens se entrelaçaram num instante único para moldarem o novo cenário em que o mundo entraria. Em dezembro de 1978, um sobrevivente da revolução cultural de Mao na China, Deng Xiaoping, lança seu programa para reformular a economia chinesa e acordar o sonho de prosperidade para sua população. Pouco antes, em 16  de outubro de 1978, era eleito papa o polonês Karol Wojtyla, agora João Paulo II, com seu chamado “Não tenham medo, abram as fronteiras dos Estados, dos sistemas políticos e econômicos, os imensos domínios da cultura, da civilização e do desenvolvimento”. Em 1979 Khomeine lidera a revolução teocrática no Irã, trazendo consigo os valores mais exaltados do Islamismo, em 11 de julho de 1979 tomava posse como primeira ministra britânica, Margareth Thatcher, em 4 de novembro de 1980, Reagan seria eleito presidente dos Estados Unidos, em 1985 entrava no palco, como secretário geral do partido comunista russo, Mikhail Gorbatchov. O conservadorismo virou revolucionário e ganhou a peleja. Mas o ocidente vitorioso não conseguiu fazer do triunfo a vitória da democracia, da liberdade, da humanidade redimida. Não tardou o desencanto com a mão invisível do mercado. Novas faces se apresentaram ao drama histórico, legiões de vítimas, minorias que se identificam como discriminadas e perseguidas, prontas a explosões de ressentimentos, raivas, desejos de reparações, conflitos que marcam o mundo atual. A passagem do mundo ideológico para o mundo identitário teve efeitos no conjunto do planeta, com a coexistência entre as diferentes comunidades cada vez mais difíceis. Alguns até aplaudem a tormenta que nos sacode ou o mar que nos traga, desde que devorem antes seus inimigos. As discussões sobre as vantagens do modelo econômico, do pensamento filosófico ou da organização social, desandaram para discursos inflexíveis sobre raça, sexo, gênero e identidade, estopins de conflitos e ódios no mundo de turbulências políticas e morais de nossa época. Hoje, as culturas se confrontam cotidianamente, cada identidade procurando se firmar com virulência. “Entramos numa zona tumultuada, imprevisível, aleatória, que parece destinada a prolongar-se”, as pessoas parecem “desamparadas, enraivecidas, amarguradas, sem rumo”, escreve Maalouf, “a marcha do tempo nos faz penetrar em zonas novas, mal exploradas, pouco balizadas”, a estrada para escapar do subdesenvolvimento, da ignorância, das desigualdades é longa, para não se perder na direção da violência, do fanatismo e do caos, é preciso que a sociedade encontre “em si a vontade e a sabedoria de avançar, de se adaptar, de construir”. 

Dr. Geraldo Ferreira – Médico e Presidente 

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