ARTIGO: A bem da verdade (Parte II)

29/04/2021

ARTIGO: A bem da verdade (Parte II)

29/04/2021

ARTIGO: A bem da verdade (Parte II)

A visão negativa e pessimista, possivelmente montada no cérebro pela evolução como forma de antecipação aos perigos, pode levar a uma perspectiva deformada do mundo, que passa a ser povoado por fantasias e medos.  Houve um tempo longo onde as coisas foram assim. Na segunda metade do século XVIII, levantou-se contra essa visão de mundo a geração de pensadores do iluminismo, principalmente franceses, que aliados à revolução científica e ao liberalismo clássico forjaram a compreensão do mundo a partir da razão, da ciência, do humanismo e da ideia de progresso. Essas seriam as ferramentas para compreender o mundo e modificá-lo. Em seu Livro, O Novo Iluminismo, Steven Pinker, professor de psicologia em Harvard, Stanford e diretor do Centro de Neurociência Cognitiva em Massachusetts, faz um profundo levantamento da realidade para, amparado em trabalhos e estatísticas oficiais, mostrar como o mundo evoluiu em paz, segurança, riqueza, saúde, igualdade, conhecimento, qualidade de vida e mesmo felicidade. Em 2016 a Oxford Dictionaries, departamento da Universidade de Oxford responsável pela elaboração de dicionários elegeu pós verdade como a palavra do ano em língua inglesa. Na pós verdade os fatos objetivos importam menos na formação da opinião pública do que os apelos à emoção ou à crença pessoal. A verdade é manipulada em modelos de narrativas, criando formas sofisticadas de mentir ou enganar as pessoas. Mas os fatos reais existem, há verdades que podem ser encontradas ou aferidas pela história, experiência, razão e ciência. Mais complexo ainda do que distinguir verdade de mentira, é escapar dos enganos e falácias, que não são, no dizer de Thomas Sowell, simplesmente ideias malucas, são ideias plausíveis, o que lhes rende apoio político, mas com alguma coisa errada na premissa ou formulação que, sendo contrárias aos fatos não vão permitir alcançar os resultados visados. Normalmente as falácias, formas astuciosas de enganos, vem embaladas por visões de justiça, igualdade e outras palavras que invocam emoções. As falácias resistem, mesmo quando sucumbem ao teste da realidade por várias razões. Autoridades não querem responder por erros e comprometer suas eleições, intelectuais não querem perder prestígio ou serem constrangidos por suas ideias se mostrarem improdutivas. As evidências são perigosas para algumas pessoas por se tornarem ameaças aos seus interesses. Ninguém quer admitir que esteja errado. A falácia é como o sofisma, um engano, um logro, um raciocínio capcioso com o objetivo de enganar o outro. A luta contra a mentira, a trapaça, o engano favorece a verdade. O ataque mais frontal a verdade é feito muitas vezes pela ideologia. A tentativa de moldar o mundo a uma teoria que não se sustenta na realidade, pelos resultados adversos aos pretendidos, leva a ideologia a explicações apaixonadas de um cientificismo inexistente, levando o que antes era uma expectativa a uma fraude. No Livro Acredite, Estou Mentindo, Ryan Holiday descreve o roteiro da trapaça e da mentira que num circuito sinuoso, construído de forma organizada, com vários elementos envolvidos, vai revestindo a mentira com as roupas da verdade através de publicação, seguida da repercussão, em sequência referenciada à primeira publicação, e a partir daí enriquecida por falsos especialistas convocados a respaldar a mentira original. A qualquer tentativa de ser desmontada passa a ser considerada versão de um lado contra o outro, sendo a versão fraudulenta sempre reabastecida com novas visões e análises de supostas autoridades, técnicos e experts no tema ou assunto. Há dois mil anos um Pilatos atônito perguntou a Cristo – O que é a verdade? Afonso Arinos, quando do atentado contra Carlos Lacerda, que findou por conduzir ao suicídio de Getúlio Vargas, ao ver a impossibilidade colocada pelo poder para se saber a verdade dos fatos que se apresentavam, fez em 1954 um dos mais célebres discursos no Senado brasileiro – “Se não é possível saber o que é a verdade, é perfeitamente possível saber-se o que não é a mentira”, disse ele.

Dr. Geraldo Ferreira

Presidente do Sinmed-RN

Publicado no Jornal Agora RN dia 29/04/2021

 

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